Valor Econômico
03/02/2020

Por Raphael Di Cunto, Vandson Lima, Marcelo Ribeiro e Renan Truffi

Os mais de 20 projetos da agenda terão que concorrer com propostas do governo no campo dos costumes

O Congresso Nacional volta aos trabalhos hoje com uma ambiciosa agenda econômica pela frente, de reformas profundas na administração pública e no sistema tributário. Há, porém, grandes dificuldades neste caminho: em um ano com calendário apertado por conta das eleições municipais, a pauta está congestionada por dezenas de projetos diferentes, não há um foco claro de quais são as prioridades e o governo do presidente Jair Bolsonaro segue sem base aliada consistente no Legislativo.

Já há 25 medidas provisórias (MPs) editadas e que precisarão passar pelos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado nos próximos quatro meses. Os temas são espinhosos, como o valor do salário mínimo para este ano, que congressistas querem elevar, o “Emprego Verde e Amarelo”, com menos direitos e tributação para tentar estimular a contratação de jovens, e o “Contribuinte Legal”, para permitir a negociação de dívidas com descontos nos juros e multas – e que parlamentares querem transformar num Refis.

Para os líderes partidários e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a prioridade de 2020 é a reforma tributária. Uma comissão mista será criada nos próximos dias para tentar chegar a um consenso e votar até abril esse projeto no plenário, para que o Senado possa deliberar ainda no primeiro semestre.

Já os senadores estão focados nas três propostas de emenda constitucional (PECs) do pacote “Mais Brasil”: o fim de fundos públicos setoriais; a PEC Emergencial, com medidas de corte de despesas para evitar o descumprimento da regra de ouro da economia; e a PEC do Pacto Federativo, que replica medidas de corte em Estados e municípios.

O governo está colocando como fundamental também a aprovação de PEC da reforma administrativa, mas ainda não enviou sua proposta ao Congresso. A ideia é estabelecer regras para os novos servidores públicos federais, com o fim de progressões automáticas na carreira, um maior tempo de serviço antes de adquirir estabilidade e exames para receber promoções.

Essas cinco PECs exigirão bastante tempo de debate. Uma proposta de emenda constitucional precisa do apoio de 3/5 dos parlamentares (49 dos 81 senadores e 308 dos 513 deputados). Além disso, são dois turnos nos plenários de cada Casa e uma tramitação cheia de travas processuais.

A agenda econômica, no entanto, não se resume a essas cinco PECs e há uma série de medidas micro e macroeconômicas à espera de votação, como a autonomia do Banco Central, o novo marco legal das parcerias público-privadas (PPPs) e concessões, a lei geral de licenciamento ambiental, o marco legal do saneamento básico, a transformação de clubes de futebol em empresas, mudanças no setor elétrico e no mercado de câmbio.

A privatização da Eletrobras, considerada importante pelo mercado e pelo governo para reforçar os cofres da União e estimular os investimentos da empresa, é um dos exemplos das dificuldades. Enviada em novembro, a proposta não teve nem comissão designada para debatê-la e Maia já avisou que só dará andamento no projeto quando o Ministério de Minas e Energia convencer os senadores de que a iniciativa é a melhor para a estatal. Até lá, o texto deve ficar engavetado.

Os mais de 20 projetos da agenda econômica terão que concorrer com propostas do governo Bolsonaro no campo dos costumes, como a proposta de ampliar o número de categorias profissionais que poderão portar armas de fogo nas ruas fora do horário de trabalho e a flexibilização das regras de trânsito.

Tudo isso será discutido em meio à tentativa do presidente Jair Bolsonaro de criar seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil, com o apoio de dissidentes do PSL – o que deve provocar fraturas com essa legenda, hoje a segunda maior da Câmara. A cisão do PSL deve atravancar ainda uma decisão mais rápida sobre o comando das comissões na Câmara – PDT, Republicanos e MDB cobiçam a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), hoje do PSL.

Dificuldades de calendário para votar essa agenda não faltam. O primeiro semestre terá quatro feriados em dias úteis, além da semana do São João, quando os parlamentares do Norte e Nordeste ficam em suas bases eleitorais e esvaziam o quórum em Brasília.

A campanha eleitoral, mesmo mais curta, começará em 16 de agosto, mas um mês antes os parlamentares já estarão concentrados na realização das convenções partidárias que definirão a candidatura de aliados que serão seus cabos eleitorais daqui a dois anos ou deles próprios. A disputa vai até o dia 25 de outubro nas cidades onde há segundo turno.

Após a volta, serão apenas dois meses até o recesso de fim de ano. Há dois fatores que podem ajudar ou atrapalhar as votações. Um deles é a sucessão no comando da Câmara e do Senado, que elegerão novos presidentes e eventuais disputas podem travar o andamento de projetos. Por outro lado, será o fechamento dos cinco anos de mandato do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tentará concluir a votação dos projetos debatidos em sua gestão.