Estadão
11/12/2019

Por Amanda Pupo e Anne Warth

O plenário da Câmara aprovou na noite desta quarta-feira, 11, o texto-base do novo marco legal de saneamento básico. A proposta abre espaço para a iniciativa privada atuar com mais força na exploração do setor e institui o regime de licitações aos municípios para a escolha das empresas que prestarão serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto.

Ainda falta apreciar 11 destaques (sugestões de alterações), que podem modificar o texto final, antes que ele siga para o Senado. O placar da votação do texto-base foi de 276 votos a 124.

O governo federal estima que a universalização dos serviços de saneamento deve envolver investimentos de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões.

O abastecimento de água está mais próximo desse objetivo: chegou a 169,1 milhões de habitantes, o que equivale a 83,6% da população do País. Já a rede atual de esgoto está mais distante dessa meta. Ela atende a 105,5 milhões de pessoas, 53,2% da população, e somente 46,3% de todo o esgoto gerado é efetivamente tratado.

Estudos apontam que a universalização de serviços de água e esgoto são fundamentais para a melhoria da saúde pública. Diversas doenças estão associadas ao consumo de água imprópria. Investimentos nesse setor podem diminuir internações e a mortalidade infantil.

Em um aceno aos Estados, os deputados acolheram pedido para dar sobrevida aos contratos de programa – fechados sem licitação e usados normalmente entre municípios e companhias públicas de saneamento, controladas por governos estaduais. Pela legislação anterior, as estatais que fossem privatizadas perdiam automaticamente os contratos, justamente o ativo mais valioso para o mercado.

Pelo texto-base, os contratos de programa atuais e os que já venceram poderão ser renovados por até mais 30 anos, desde que o processo ocorra até março de 2022. A medida tem o potencial de aumentar o valor de mercado das companhias estatais, o que elevaria a arrecadação dos Estados quando as empresas forem privatizadas. Hoje, o setor privado serviços de saneamento está em apenas 6% dos municípios.

Apesar de ter cedido ao apelo das empresas estaduais, o relator da proposta, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), impôs a todo o setor metas de universalização. Até 2033, elas terão de garantir o atendimento de água potável a 99% da população e o de coleta e tratamento de esgoto a 90%. Quem ainda não possui metas terá de incluí-las, por aditivo, até março de 2022, e se não o fizerem, correm risco de ter o contrato encerrado.

Licenciamento

Os deputados aprovaram uma alteração ao texto que prevê que os municípios ficarão responsáveis pelo licenciamento ambiental dos empreendimentos e serviços de saneamento. Não havendo órgão municipal para isso, a tarefa seria repassada para o governo estadual. O licenciamento do setor passa a ter prioridade em relação a demais processos em tramitação no órgão. O texto foi apresentado pelo deputado Tiago Dimas (Solidariedade-TO).

A emenda foi criticada por especialistas no assunto ouvidos pelo Estadão/Broadcast. Para eles, o texto pode ser inconstitucional porque a competência de definir quem licencia é matéria reservada à Lei Complementar 140, de 2011. Essa é a lei que fixa a responsabilidade do licenciamento entre municípios, Estados e União.

Hoje, pelas regras estabelecidas pela Lei Complementar 140, os Estados são os responsáveis pelo licenciamento ambiental do saneamento. O assunto é matéria reservada a essa lei complementar, ou seja, uma lei ordinária não pode tratar desse assunto.

No licenciamento atual, Estados podem delegar a seus conselhos estaduais de meio ambiente que passam a ser municipal, mas não o contrário. É o que prevê a lei sobre o licenciamento desses empreendimentos.

Manobra

Durante a votação, o relator fez uma manobra para que o Senado não seja mais a Casa que dará a última palavra sobre o projeto, e sim a Câmara. Como a principal proposta sobre o tema veio dos senadores, o projeto de lei aprovado pela Câmara precisaria ser revisto no Senado. E se os senadores fizerem mudanças no texto aprovado pelos deputados, o projeto seguiria para a sanção presidencial em seguida.

Ocorre que, na Câmara, além do projeto de autoria do Senado, outras propostas também foram analisadas (apensadas) em comissão especial. Uma delas foi o projeto apresentado pelo Executivo na Câmara, em agosto. Na prática, as emendas apresentadas pelo DEM e PP deram, ao texto do Executivo, o mesmo teor do relatório de Zuliani.

Assim, será possível encaminhar ao Senado apenas o projeto de autoria do Executivo. Dessa forma, driblando o texto do Senado, a Câmara passa a ser a protagonista da proposta, dando a palavra final sobre o projeto.

Nos bastidores, a justificativa para essa manobra é o temor de que os senadores “desidratem” o texto de Zuliani para favorecer as companhias estaduais de saneamento. No Senado, os governadores conseguem ter um poder maior de influência sobre os parlamentares. Sendo o projeto de autoria da Câmara, qualquer mudança feita pelos senadores teria de passar pelos deputados novamente.

Por outro lado, há quem considere a estratégia arriscada, porque poderia intensificar a disputa por protagonismo que ronda as duas Casas. Deputados envolvidos nas discussões afirmaram reservadamente que a estratégia já foi comunicada a senadores.