Valor Econômico
22/04/2020

Por Taís Hirata

Apesar de incerteza entre investidores, banco avalia que mercado segue interessado e planeja apoiar projetos com crédito

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) decidiu adiar para 2021 parte dos leilões de saneamento inicialmente marcados para este ano, devido à crise provocada pela pandemia do coronavírus. Duas licitações, porém, seguem no calendário de 2020: a concessão de água e esgoto de Alagoas e do Rio.

A desestatização da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), que é a mais avançada do pacote e prevê investimentos de R$ 2,5 bilhões, está marcada para o fim de maio. Caso as medidas de isolamento social sigam até lá, um leilão virtual é uma possibilidade em estudo, afirmou, ao Valor, Fábio Abrahão, diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs do banco de fomento.

A concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que deverá ser dividida em quatro blocos, com um total de R$ 32,5 bilhões de investimentos, segue agendada para novembro deste ano.

“A princípio [os leilões] estão mantidos. A não ser que a gente receba pedidos dos investidores para olhar os ativos mais a fundo ou para ver como setor reage a essa crise. Ou mesmo caso seja identificado algum risco jurídico ao processo. Nestes casos, poderemos rever”, afirma Abrahão.

Já outros três leilões de desestatização inicialmente marcados para o fim de 2020 – dos Estados do Acre, Amapá e Rio Grande do Sul – já foram remarcados para o primeiro semestre do próximo ano, por serem processos menos maduros. Há ainda um sexto projeto, de Porto Alegre, cujo leilão já estava marcado para abril de 2021 e que não teve alteração no  cronograma.

A ideia do banco é realizar ainda neste ano ao menos a etapa de consulta e audiência pública, para todos os processos.

Algumas empresas do setor e analistas ouvidos pela reportagem desde o início da pandemia colocaram em xeque a viabilidade de se fazer qualquer leilão do gênero em meio à turbulência. A avaliação geral é que, no atual cenário, é impossível prever o custo do financiamento, algo determinante na definição da oferta. Caso os leilões de concretizem, o risco deverá ser precificado.

Para o diretor do banco de fomento, a percepção é que o interesse dos investidores permanece, apesar da crise.

“O setor de saneamento está se mostrando bastante resiliente, em termos de faturamento. Sabemos que a inadimplência pode subir. Mas é um setor com muito espaço para aumento da eficiência, uma vez que o ativo passa para o privado. Os investidores continuam interessados”, diz ele.

Em relação às dificuldades de captação, Abrahão afirma que o BNDES está preparado para apoiar com crédito. “Temos munição, e essa munição será gasta, por exemplo, nesses projetos”, afirmou. Além disso, ele avalia que o dólar alto perante o real pode favorecer captações externas, já que os ativos ficarão proporcionalmente mais baratos.

O programa de desestatização do banco de fomento começou a ser gestado no segundo semestre de 2016, no então governo de Michel Temer. A princípio, 18 Estados aderiram, mas a maior parte deles acabou desistindo. Ao fim, apenas sete estatais tiveram estudos realizados pelo BNDES, e nenhum leilão foi feito até hoje.

Os editais têm sido aguardados pelas operadoras privadas com ansiedade. A avaliação é que o BNDES assumiu uma posição importante no mercado, como uma “fábrica” de bons projetos.

Além de saneamento, o banco de fomento tem uma carteira que inclui também projetos de iluminação pública, rodovias, energia, entre outros setores. Ao todo, o pacote somaria R$ 180 bilhões em investimentos.

“Antes da epidemia, a gente já sabia que o Brasil ia precisar [de investimentos]. Era um momento de recuperação da crise dos últimos anos. Agora, queremos acelerar e levar esses projetos a mercado”, diz o diretor.

Abrahão afirma que pode haver inclusive um incentivo ao programa por conta da crise atual. “Os próprios governos estaduais vão ser lançados à desestatização. Vão precisar disso. Quem não pensava nisso, vai começar a pensar. Estamos preparados para isso. E acho que o mercado também”, avalia.