Valor Econômico
21/05/2020

Por Alex Ribeiro

Ideia é ser o mais neutro possível em suas intervenções no mercado secundário, apenas para injetar liquidez

O Banco Central avalia comprar cestas de títulos privados que espelhem o conjunto de empresas que fazem captações no mercado de capitais, em vez de escolher os papéis de uma ou outra companhia que tenha problemas mais graves de liquidez. Dessa forma, a autoridade monetária pretende ser o mais neutra possível em suas intervenções para injetar liquidez e destravar o mercado de dívida privada, sem beneficiar individualmente setores ou companhias.

Desde que recebeu novos poderes para atuar na pandemia, por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC), o Banco Central está estudando alternativas de índices de títulos privados para definir a cesta de papéis que comprará em suas eventuais intervenções. O BC não definiu, por enquanto, se vai de fato entrar no mercado comprando títulos privados. No caso das debêntures, houve progressos na estabilização do mercado depois que foram liberados depósitos compulsórios para bancos que comprarem esses papéis, embora a situação esteja ainda mais desfavorável que antes da crise.

Depois de aprovada a PEC pelo Congresso, o Banco Central começou a estabelecer o arcabouço para as suas intervenções. Uma das questões práticas é determinar que índice espelha melhor o mercado de crédito privado, que durante momentos de volatilidade nesta crise esteve sem um referencial seguro de preços.

A Anbima, que representa entidades dos mercados financeiro e de capitais, tem um índice de debêntures, que se desdobra em outros subíndices de acordo com determinados indexadores ou para refletir segmentos com incentivos tributários. A B3 passou recentemente a oferecer um serviço de precificação de debêntures com uma metodologia própria.

O índice próximo do ideal é aquele que reflete o conjunto do mercado, como ocorre no Ibovespa, em que as ações têm peso proporcional ao seu volume de negociação no mercado. No caso dos títulos privados, há um grande volume de papéis encarteirados por investidores institucionais que são pouco transacionados no mercado secundário.

Nas negociações com o Senado para aprovar a PEC, o Banco Central delimitou bem sua área de atuação: será apenas para prover liquidez. Questões de solvência devem ser resolvidas pelos bancos públicos, em especial o BNDES, e o Tesouro Nacional

É um arranjo diferente, por exemplo, do vigente nos Estados Unidos, em que o Federal Reserve (Fed) atua na compra de títulos de setores e empresas. No mercado americano, há uma linha que atua sobretudo por meio da compra de ETFs (fundos de índices negociados em bolsa) no secundário, e outra criada em março para o segmento primário, que concede financiamentos diretamente a empresas.

Na avaliação do BC, a solução foi diferente nos Estados Unidos porque lá não há uma estrutura como a brasileira, com bancos públicos especializados em avaliação de crédito e estruturação de soluções financeiras. Por isso, o banco central americano desenvolveu essa expertise. Já no Brasil, o BC não está aparelhado para a avaliação de crédito.

A PEC deu poderes para o BC comprar apenas papéis com avaliação de baixo risco de crédito pelas agências de rating. Mas a autoridade monetária acredita que, ao estabilizar o topo do mercado, vai abrir espaço para todo mundo, porque as grandes empresas são referencial de preço para as captações de empresas menores. Na situação atual, as grandes empresas passaram a pagar mais caro, as médias estão com juros proibitivos e as menores se viram sem mercado.

Nos Estados Unidos, o Federal Reserve conseguiu estabilizar o mercado com poucas intervenções, praticamente com o anúncio das compras de títulos, que fez as novas captações renascerem na semana seguinte.

Uma das frentes de trabalho do Banco Central é definir em que níveis de preço atuar. Como princípio, a ideia é que o Banco Central atue na situação de “fire sale”, que é quando detentores de títulos vendem papéis apenas para fazer caixa, sem observar os fundamentos da empresas, dos setores e da economia.

Mas isso é mais fácil dito do que na prática. Uma parte da alta de juros dos títulos privados está ligada à falta de liquidez, mas outra reflete a deterioração econômica causada pela pandemia, que amplia riscos e a perspectiva dos negócios. De certa forma, o BC já faz isso quando atua no mercado de câmbio, quando usa indicadores e seu próprio julgamento para separar o quanto da alta do dólar se deve a fundamentos e quanto reflete falta de liquidez