Valor Econômico
16/12/2020

Por Maria Luíza Filgueiras

Mesmo com baixo interesse externo, ano foi recorde, com R$ 117 bi Por Maria Luíza Filgueiras

O ano de 2020 já se tornou histórico devido à pandemia global e seus efeitos sem precedentes na economia. Por mais contraditório que pareça, no mercado de capitais essa marca terá tom positivo. Trata-se do melhor ano para listagens iniciais desde 2007 e com o maior volume total de operações da história – R$ 117 bilhões -, perdendo apenas para 2010, quando houve a megacapitalização da Petrobras. Segmentos que nunca tiveram representatividade na bolsa, como as startups de tecnologia, e outros que não traziam novidade há tempos, como o petrolífero, acessaram o mercado brasileiro este ano – listando companhias como Méliuz, Enjoei e 3R Petroleum. O último IPO do ano, definido ontem, é de uma companhia de softwares, a Neogrid

Também pela primeira vez na história, uma empresa já estreou na bolsa brasileira valendo mais de R$ 100 bilhões, caso da Rede D’Or. Já o supermercadista Mateus registrou a maior operação inicial de uma companhia do Nordeste.

Não teve demanda só para novatas. Seis follow-ons deste ano figuram na lista das 20 maiores ofertas subsequentes feitas desde 2004 – Petrobras, Lojas Americanas, Suzano, Rumo, Natura e Via Varejo. E todas essas operações foram viabilizadas com a menor participação de investidores estrangeiros da história. Os não residentes ficaram com apenas 25% das ofertas, em média. “Foi um ano emblemático considerando tantas variáveis”, diz Pedro Mesquita, chefe do banco de investimento da XP.

Não é à toa que os coordenadores de ofertas se dizem “bastante otimistas” para 2021, com projeções em torno de R$ 140 bilhões a R$ 150 bilhões para as emissões de ações. A avaliação é que, se os investidores institucionais locais conseguiram viabilizar esse volume enquanto o estrangeiro deu de ombros para o Brasil, a liquidez global, a desvalorização do dólar e um potencial novo ciclo de commodities podem trazer esses investidores de volta ao país – como já começa a mostrar o mercado secundário. “Vamos fechar o ano sem nem fazer intervalo”, diz Bruno Saraiva, corresponsável pelo banco de investimento do Bank of America (BofA) no Brasil, que liderou a maior oferta do ano.

Esse início de janeiro que tende a ser atípico também se deve a uma restrição dos gestores locais, que concentraram as compras no ano e ganharam poder de fogo nas conversas. Depois de uma verdadeira montanha-russa na bolsa durante o ano – com o Ibovespa saindo de 118 mil pontos para 63,5 mil pontos e voltando aos 116 mil pontos -, os gestores resolveram passar a régua mais cedo nos seus balanços, e ficaram mais restritivos para ofertas novas, incentivando algumas postergações. Afinal, nem todas as operações tiveram desempenho positivo e os gestores quiseram evitar surpresas no último mês, o que está diretamente relacionado às taxas de performance e bônus que vão receber pelo ano.

Isso empurrou ofertas para o início de 2021 e já são 25 operações registradas na CVM para janeiro e fevereiro, ainda com os balanços do terceiro trimestre. Estão nessa lista da virada do ano a CSN Mineração, os supermercados BIG e Oba, a Universidade Cruzeiro do Sul e a Iguá Saneamento. Roderick Greenlees, chefe de emissão de ações do banco Itaú BBA, projeta entre 50 e 70 ofertas de ações em 2021, com forte participação de startups ou de companhias maduras com componente tecnológico.

Quebramos um paradigma com listagens locais de empresas de tecnologia e já temos um ‘pipeline’ importante de empresas do setor que farão ofertas no ano que vem”, diz Greenlees. “As empresas de tecnologia vieram para mudar a nossa economia e participar do mercado de capitais, e o investidor brasileiro se mostrou disposto aos múltiplos que essas empresas pedem.” Nos registros da CVM estão companhias como Bemobi Tech, Mobly, Westwing, Wine e Eletromídia.

Nas ofertas mais recentes, os bancos notaram um aumento gradual da fatia dos estrangeiros e veem uma participação mais equilibrada no ano que vem. “O investidor global se afastou e muito disso veio da volatilidade do câmbio. Com o real potencialmente se apreciando e o apetite a risco de emergentes voltando, entramos 2021 com a sensação de que o investidor estrangeiro está pronto”, diz Saraiva, do BofA. “Se de fato esse investidor internacional enxergar um superciclo de commodities pela frente, ele estala os dedos e o impacto de fluxo para ofertas será muito maior que o volume local.”

Eduardo Mendez, chefe de emissão de ações do Morgan Stanley no Brasil, também vê um cenário global benigno, considerando a busca por retornos num mundo de juros reais negativos. “O maior risco é doméstico, com questões fiscal e inflacionária, mas vemos uma evolução mesmo nas discussões em Brasília”, diz.

Ele ressalta que este ano também deixou algumas lições. “Vimos um excesso de oferta no terceiro e quatro trimestres, que não caberia no mercado mesmo se o estrangeiro estivesse presente. Falta braço no ‘buy-side’, aumenta a sensibilidade de preço, e inevitavelmente 15 a 20 ofertas serão priorizadas”, diz Mendez. “Por outro lado, o mercado de ações se provou muito eficiente para a captação de recursos das companhias na crise, como mecanismo defensivo.”

Com ou sem os estrangeiros, os investidores institucionais locais precisam continuar captando no ano que vem para manter o fôlego de compras de papéis. Mas os números da Anbima mostram que esse ritmo diminuiu e, em novembro, os fundos de ações tiveram mais resgates do que captações. “Se você não tem fluxo de entrada de dinheiro, precisa vender o que está em carteira para comprar papéis novos. A gente pode ver o gestor brasileiro ter que começar a girar mais o portfólio, mas isso é bem comum lá fora, não é que em outros mercados haja ‘inflow’ o tempo todo”, diz Cristiano Guimarães, chefe do banco de investimento Itaú BBA.