Valor Econômico
Por 13/12/2019

Por Taís Hirata, Marcelle Gutierrez e Anaïs Fernandes

Ações de empresas estaduais caíram ontem, diante da perspectiva de que a votação do novo marco regulatório ficará para 2020, ano de eleição

O avanço do novo marco legal do saneamento na Câmara dos Deputados foi recebido com otimismo entre empresas privadas e analistas do setor, mas também gerou ressalvas no mercado.

As ações da Sabesp fecharam com queda de 3,35% ontem, a R$ 59,44. Desde o início do ano, os papéis da empresa paulista têm oscilado conforme a perspectiva de aprovação do novo marco legal, que abre caminho para a privatização da companhia. As outras empresas estaduais de capital aberto também sofreram retração ontem: as ações da Sanepar, do Paraná, caíram 1,79%, e as da Copasa, de Minas Gerais, 4,99%.

Uma das explicações para os resultados negativos foi uma manobra legislativa na Câmara dos Deputados, que aprovou um projeto de lei de autoria do governo, e não aquele que já havia recebido aval do Senado.

Na prática, isso significa que a votação será mais lenta do que se esperava, pois o texto ainda terá que ser aprovado pelo Senado. O fato de 2020 ser um ano de eleições municipais complica ainda mais o cenário, diz um analista, que pediu anonimato. Além disso, a manobra passa a impressão de que não há acordo sobre o tema no Senado, afirma outra fonte de mercado.

Para um terceiro analista, a explicação para a queda nas ações das empresas é de outra natureza: ele avalia que investidores que apostaram na aprovação do projeto aproveitaram ontem para embolsar os lucros.

Com a perspectiva de atraso na tramitação do projeto, a expectativa é que o texto não seja aprovado antes de maio, projeta Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon)

“Ainda assim, o placar da votação na Câmara consolidou o entendimento de que é preciso mudar o marco legal, e que o texto aprovado é o caminho. É um fator de tranquilidade”, disse.

Em relação ao conteúdo do projeto de lei, uma das principais críticas do setor privado é o aval para que as companhias públicas possam, até 2022, renovar seus contratos de programa (firmados com prefeituras sem necessidade de licitação) por 30 anos adicionais. Para isso, os grupos terão que comprovar sua capacidade econômico-financeira e definir metas de universalização.

Embora o processo de renovação não seja simples, alguns analistas temem que as estatais usem a brecha para renovar seus contratos de programa mais rentáveis, atrasando em anos a abertura de mercados importantes.

Esse período de transição mais longo não é ideal, mas “já estava na conta”, avalia Fernando Vernalha Guimarães, sócio-fundador da VGP Advogados. Ele relembra que essa previsão já constava na primeira medida provisória sobre o tema, que teve forte apoio do setor privado.

A expectativa, diz ele, é que o impacto do novo marco não venha de imediato, e sim em um médio prazo.

Para Gustavo Guimarães, presidente da Iguá Saneamento, já existe uma aceleração dos novos projetos de água e esgoto, mesmo sem a aprovação do projeto de lei. “Os executivos de estatais se sentiram pressionados pela discussão [em torno da abertura de mercado e necessidade de investimentos]. A nova lei vai catalisar esse movimento”, projeta.

O executivo defende que, mesmo que o projeto de lei não seja o ideal, é preferível aprová-lo e viabilizar avanços. A Iguá tentou fazer uma abertura de capital em 2019, mas, diante de incertezas, que foram precificadas pelos investidores, acabou desistindo.

“O mais importante para o investimento privado é saber qual é a regra. A definição é muito importante nesse momento”, avalia Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e ex-presidente da Sabesp.

Entre os avanços mais significativos do texto aprovado, ele destaca a perspectiva de criação de referências nacionais para o setor através de novas atribuições da Agência Nacional de Águas (ANA). Hoje, a regulação é difusa em agências estaduais.