Folha de São Paulo
13/12/2019

Câmara aprova marco do saneamento, que amplia concorrência e enfrenta atraso

Após longo período de impasse, a Câmara dos Deputados conseguiu aprovar o texto base do projeto que moderniza o marco regulatório do saneamento nacional e abre espaço para maior participação da iniciativa privada no setor.

O passo adiante, porém, não veio sem riscos, pois a decisão regimental foi descartar o texto que veio do Senado em favor da alternativa originada na Casa, de modo a assegurar que a última palavra fique com os deputados.

A decisão decorre da percepção, não infundada, de que o tema vem encontrando mais resistências entre os senadores. Mas a consequência pode ser exacerbar o conflito e alongar ainda mais a tramitação.

De fato, o projeto da Câmara, apoiado pelo governo Jair Bolsonaro e iniciado após a expiração de uma medida provisória de teor similar, mostra-se mais ambicioso.

Começa por estabelecer a Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão regulador do setor, com responsabilidade de definir parâmetros técnicos e econômicos dos contratos de concessão, e permite que a prestação dos serviços transite para um regime concorrencial de forma mais célere.

Em acordo com a oposição, foi preservada para os governos locais, até março de 2022, a opção de estender os contratos de programa vigentes —aqueles celebrados com estatais sem concorrência— por mais 30 anos. Em contrapartida, esses contratos precisarão incluir metas.

Impressiona que restem defensores do modelo atual, que ainda mantém 100 milhões de brasileiros sem acesso ao saneamento básico. Essa deplorável situação está ligada à má regulação e ausência de critérios claros.

Estudo da Fundação Getulio Vargas, que analisou 1.080 contratos existentes no Sudeste entre companhias estaduais de saneamento e municípios, mostrou que mais da metade carece de metas de prestação dos serviços. No Rio de Janeiro, 98% dos contratos com a Cedae, a estatal local, estão nessa situação.

É justamente essa lacuna que o projeto da Câmara busca sanar, ao estabelecer padrões que devem balizar todas as novas concessões, que contarão com participação de empresas privadas.

Consta do texto também o objetivo de universalização dos serviços, com 99% dos domicílios atendidos com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto até 2033. Em áreas sem viabilidade econômica, o prazo é mais longo, até 2040.

O risco de comunidades pobres ficarem desassistidas também já foi suficientemente mitigado com a previsão de que a formação de áreas de atendimento ficará a cargo dos estados, o que desagrada a muitos prefeitos —que querem manter suas indicações políticas.

Esgotou-se há muito o espaço para tal atitude. Seja qual for o caminho regimental escolhido, que se aprove o projeto o quanto antes.