Valor Econômico
31/01/2020
Por Ana Carolina Neira, Marcelle Gutierrez e Lucinda Pinto
Para gestores, algumas ações estão caras no Ibovespa, mas ainda há oportunidades de compra
O noticiário sobre o avanço do coronavírus, que chacoalhou os mercados financeiros do mundo todo, jogou luz a uma discussão que já vem ganhando espaço entre gestores e investidores: há exagero na recente valorização das ações da bolsa brasileira? Essa dúvida, sobre se alguns papéis já foram longe de mais na onda de valorização que se viu nos últimos meses, potencializou a reação da bolsa brasileira ao risco de que a recuperação econômica global seja comprometida pelo novo surto. E isso explica o fato de o Ibovespa ter tido um dos piores desempenhos dentre as bolsas do mundo nesta quinta-feira.
A busca dos investidores por ativos mais seguros – como dólar e Treasuries – em detrimento daqueles que oferecem mais risco – especialmente as ações – acontece porque ninguém sabe ainda qual é a extensão dos efeitos trazidos pelo novo vírus sobre a economia da China e, consequentemente, do mundo. A visão geral ainda é de que parece ser um evento com efeitos de curto prazo. Tanto é que, ontem, depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter evitado tomar medidas mais drásticas contra a China, como a proibição de viagens, os mercados passaram por uma franca melhora.
Assim, o Ibovespa, que chegou a cair 2,22% na mínima do dia, fechou em alta de 0,12%. Também o dólar, que se aproximou de sua máxima histórica ontem, ao tocar o nível de R$ 4,2725, fechou a sessão valendo R$ 4,2574, ainda em alta de 0,90%.
“Mas ainda há muita incerteza sobre a consistência das informações a respeito da propagação do vírus”, explica um gestor, que prefere não ser identificado. “Nessa hora, é melhor evitar risco.”
Essa opção pela cautela explica a perda de 2,41% do Ibovespa nesta semana. Mas gestores reconhecem que a instabilidade global acabou deflagrando um ajuste de posições – “necessário e saudável”, na visão de alguns profissionais – porque, aqui, a impressionante valorização de alguns papéis em 2019, especialmente os ligados à economia local, já havia acendido uma luz amarela. Foi nesse contexto que Luis Stuhlberger, CEO da Verde Asset Management, afirmou na quarta-feira que continua investido em bolsa, “mas olhando a porta da saída”.
O que parece um consenso entre os especialistas é que o cenário econômico melhor, com perspectiva de aceleração do crescimento e juro baixo, que reduz o custo de capital, justificam ainda apostas em bolsa. Mas as escolhas terão que ser mais cuidadosas agora porque alguns preços estão muito altos.
“A gente começa a ver alguns papéis negociando com múltiplos exagerados, como varejo, acima de 30 e 35 vezes, mas por conta da perspectiva de crescimento em 2019 e 2020, mas não enxergo como risco de bolha”, disse Leonardo Morales, gestor de renda variável da Macro Capital.
Luiz Fabiano Godói, diretor de investimentos da Kairós Capital, também acredita que há determinados papéis caros, mas não a bolsa como um todo. “À luz de uma expectativa de PIB [Produto Interno Bruto] de 2,5% em 2020, não me parece que a bolsa esteja cara.” Ele observa que o lucro das ações que compõem o Ibovespa cresceu 13% em 2019, ano em que o PIB deve marcar um crescimento perto de 1%, segundo estimativas da pesquisa Focus. Assim, se o crescimento acelerar como o esperado, é razoável pensar numa expansão dos lucros da ordem de 20%. Isso explica o cenário de um Ibovespa na casa dos 130 mil no fim deste ano.
Em 2019, papéis ligados à economia doméstica foram destaques absolutos, com desempenhos muito superiores ao do Ibovespa, que subiu 31,6%. Foi o caso de Via Varejo, com alta de 154,55%, Magazine Luiza (112,16%), Qualicorp (234,07%) e JBS (122,63%). Já as chamadas blue chips, muito mais sensíveis aos movimentos externos, tiveram avanços mais modestos. Petrobras PN subiu 36,83% e Vale ON ganhou 6,85%.
“De fato alguns preços estão esticados quando olhamos para o passado, mas farão sentido no futuro porque a bolsa olha para a frente. Os fundamentos da economia brasileira seguem positivos, então em algum momento o fundamento alcançará os preços dos ativos”, afirma Adriano Cantreva, gestor da Portofino Investimentos.
Atualmente, a Portofino Investimentos possui uma média de 25% de alocação em bolsa e, segundo Cantreva, pode aumentar essa quantidade para até 40% caso haja oportunidade de compra. Alguns gestores já consideram, inclusive, que a queda nesta semana pode ter aberto essas oportunidades.
Gestores ouvidos pelo Valor em condição de anonimato relataram ter ampliado o caixa do fundo no começo deste ano, reduzindo posição nos papéis que já acumulam altas muito expressivas. Mas, com a queda recente, esses profissionais voltaram a avaliar a recompra dessas ações. “Houve uma realização saudável e necessária”, define um desses especialistas.
Na avaliação de Renato Ometto, gestor da Mauá Capital, a bolsa brasileira não está nem perto de uma bolha, mas é necessário acompanhar a migração de investidores da renda fixa para a renda variável. (Colaborou Marcelo Osakabe)