Valor Econômico
02/12/2020

Por Luiz Carlos Bresser-Pereira

O dinheiro não é um fator causador mas “sancionador” da inflação, mas só agora se tornou evidente a todos

Vou fazer neste artigo uma proposta para a superação da quase-estagnação brasileira que poderá ser surpreendente, mas garanto ser o resultado de um pensamento amadurecido. Uma das relações econômicas mais simples e mais confirmadas por pesquisas diz que quanto maior for a taxa de investimento de um país, maior será sua taxa de crescimento.

Segundo, uma relação ideal entre o investimento público e o investimento privado mantém o primeiro entre um-quinto e um-quarto do investimento total, limitado aos setores não-competitivos da economia como os investimentos em energia, águas e esgotos, estradas de rodagem, digitalização, saúde e proteção do ambiente.

O dinheiro não é um fator causador, mas ‘sancionador’ da inflação, mas isso só agora se tornou evidente a todos.

Nesse caso, não há “crowding-out”, ou seja, os investimentos públicos não substituirão os investimentos privados, mas os complementarão criando, assim, mais oportunidades para o setor privado.

O FMI, através do Fiscal Monitor, acaba de publicar um relatório sobre a importância do investimento público. No sumário executivo do relatório, o FMI salienta o alto retorno do PUBLICIDADE investimento público: “Estimativas empíricas baseadas em 400 mil empresas em um grande número de países mostra… que nos países avançados e emergentes o multiplicador fiscal alcança seu máximo em dois anos. O aumento do investimento público nessas economias em 1% do PIB pode criar 7 milhões de empregos diretamente, e entre 20 e 33 milhões de empregos quando se consideram os efeitos macroeconômicos indiretos“. Depois de 40 anos de desacertos, voltamos o bom-senso desenvolvimentista. Mas há dois problemas que precisam ser enfrentados.

Primeiro, temos o problema dos projetos. Os governos federal, estaduais e das principais cidades deveriam ter disponível um pipeline de projetos que pudessem ser executados em dois anos. Desde o PPI do governo Temer até hoje são sempre as mesmas obras que surgem das gavetas, quando se quer anunciar algum plano, e voltam para elas depois. O antigo projeto da Ferrovia Norte-Sul é uma delas). Mais da metade não tem sequer o rol de projetos pronto.

O segundo problema é o do financiamento. Desde que, nos anos 1980, configurou-se o que eu chamava então de “crise fiscal do Estado”, eu venho defendendo responsabilidade fiscal e a associando à necessidade de se restabelecer a capacidade do Estado de ter uma poupança pública para financiar os investimentos públicos. Esta capacidade foi perdida ainda no regime militar, no início daquela década, quando a grande crise da dívida externa se somou à crise fiscal. A poupança pública, que girava em torno de 4% do PIB, tornou-se negativa. No início da década seguinte essa crise da dívida externa foi superada, mas os governos democráticos se mostraram incapazes de recuperar a poupança pública.

O terceiro é o do financiamento dos projetos de investimento público. Parte desse financiamento deveria ser feito por poupança pública – a diferença entre a receita e o gasto corrente do Estado. Isto acontecia normalmente até os anos 1970; desde os anos 1980 a poupança pública passou a ser quase sempre negativa.

Desta maneira, se me perguntarem quais foram as duas razões principais que vêm mantendo a economia brasileira quase estagnada desde 1980, eu não hesitaria em afirmar que foram a armadilha dos juros altos e o câmbio apreciado, que limitou o investimento privado, e a poupança pública negativa, que limitou o investimento público.

Para manter negativa a poupança pública havia, por um lado, a pressão dos rentistas e financistas por taxas de juros reais altas, oferecendo-se como justificativa “a necessidade de controlar a inflação”, e, por outro, a pressão tanto de assalariados quanto de rentistas por manter o poder aquisitivo de suas remunerações – o que era viabilizado pelos governos também através de uma taxa de juros alta que atraísse capitais. Dessa forma se praticava o que chamo de populismo cambial – manter uma taxa de câmbio apreciada, neste caso com justificativa que se estava praticando uma “política de crescimento com poupança externa” – ao mesmo tempo que se desestimulava o investimento privado.

Havia ainda a pressão das empresas e de entidades da sociedade civil por desonerações fiscais e criação de subsídios, a pressão da alta burocracia pública por altos salários, e a pressão (legítima) dos assalariados por serviços sociais universais e de melhor qualidade. Sobrava, assim, muito pouco para os investimentos.

Não vejo perspectivas que esse quadro de falta de poupança pública seja resolvido, mas é dramática a necessidade da sociedade brasileira de sair da quase estagnação secular. Aconteceu, porém, nos últimos anos uma revolução macroeconômica que oferece uma solução para o problema. Após a crise financeira global de 2008 os países ricos, ao adotarem a política de “quantitative easing”, fizeram ampla emissão de moeda para estimular suas economias, e agora, aqueles que têm um banco central, como é o caso dos Estados Unidos, Japão e Reino Unido, nanciaram as despesas com a covid-19 novamente com emissão de moeda. Em nenhum dos dois casos, a inflação aumentou… Esse é um fato que os economistas pós-keynesianos lá fora já sabiam quando diziam que a moeda é endógena, e que os economistas inercialistas no Brasil verificaram quando afirmaram que o dinheiro não é um fator causador, mas “sancionador”, da inflação, mas só agora se tornou evidente para todos.

Minha proposta é que o Congresso aprove uma emenda constitucional autorizando o Banco Central a comprar cada ano até 5% do PIB de títulos públicos para serem gastos exclusivamente em investimentos públicos na infraestrutura, os quais deverão estar previstos pelo orçamento da República e seu dispêndio ser autorizado em cada reunião trimestral do Conselho Monetário Nacional quando avaliar que a inflação está sob controle. Assim, os investimentos públicos poderiam realizar seu duplo papel de criar capacidade instalada no setor de infraestrutura, que é um setor estratégico, e criar demanda para os investimentos privados.

Luiz Carlos Bresser-Pereira professor emérito da FGV