Por Claudio Sales e Eduardo Monteiro – Valor Econômico

07/06/2019 – 05:00

Quase metade da tarifa de eletricidade é composta por tributos e encargos setoriais, sendo que boa parte dos encargos se deve aos chamados “subsídios cruzados”, aquele tipo de recurso que beneficia alguns poucos (benefícios concentrados), mas prejudica a maioria que nem sabe que está pagando a conta (custos dispersos).

De forma mais precisa, 47,7% da receita obtida em 2017 pelas empresas que representam cerca de 70% do mercado de geração, transmissão e distribuição de eletricidade se deve a tributos federais (IRPJ, PIS, Cofins e CSLL), tributos estaduais (ICMS) e encargos setoriais (inúmeras rubricas como CDE, CFURH, TFSEE, ESS etc). Esse percentual foi revelado por um estudo – fruto de parceria da PwC com o Instituto Acende Brasil – sobre Tributos, Encargos e Subsídios do Setor Elétrico e pode ser acessado em www.acendebrasil.com.br/estudos.

O percentual de 47,7% é impressionante, mas o valor absoluto não fica atrás: as empresas da amostra destinaram R$ 83,8 bilhões para tributos, encargos e subsídios. Se a proporção de tributos e encargos se mantiver para as demais empresas que perfazem os 30% restantes do mercado, esse valor ultrapassará os R$ 100 bilhões, o equivalente a mais que o triplo do orçamento do Bolsa Família para 2019, que é de R$ 30 bilhões e beneficia mais de 14 milhões de famílias.

Na prática, além de ter que incluir os valores necessários para a “atividade-fim” (operar, manter e expandir os ativos de geração, transmissão e distribuição de eletricidade), a tarifa acabou se tornando alvo predileto de fiscos – que veem na conta de luz um veículo ultra eficiente de arrecadação de impostos – e de grupos de pressão que buscam inúmeras formas para subsidiar o custo de seu consumo de energia, empurrando a conta para os demais consumidores, que não são tão organizados nos corredores de Brasília nem têm suas “bancadas” de representantes.

Com os olhos nessa distorção, o governo federal tem comunicado que pretende reduzir subsídios embutidos na conta de luz e anunciou como uma das primeiras medidas nesse sentido a redução de subsídios a agricultores, irrigantes e empresas de saneamento. Segundo cálculos da Aneel, a redução de 20% ao ano dos subsídios a esses segmentos renderia uma economia de R$ 4,2 bilhões em cinco anos e uma redução tarifária média de 2,5% para todos os consumidores.

Mas as reações das bancadas e representantes em Brasília foi imediata e sob a invariável alegação de que esses setores são muito importantes para a economia brasileira e, portanto, merecem receber o subsídio. O corolário lógico desse argumento é que os demais consumidores, além de não merecerem o subsídio, devem ser penalizados com o pagamento do subsídio…

47,7% da receita obtida pelas empresas do setor elétrico é composta de tributos federais e encargos setoriais Já chegou a hora de dar um basta nesta situação. Nossos senadores e deputados precisam defender a população geral e acabar com subsídios cruzados em vez de continuar a propor projetos de lei que criam novos privilégios, usualmente cobertos pelo encargo CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Além dos grupos já citados acima, há projetos de lei que propõem o desconto de 50% para energia consumida em universidades, isenção de tarifa de transmissão para quem mora próximo a hidrelétricas ou em cidades com até 60 mil habitantes, desconto ou isenção de tarifa de energia para ONGs e entidades filantrópicas e, para ser mais atual, isenção de tarifa de eletricidade para atingidos por acidentes de barragem.

Vistos isoladamente, é fácil defender os subsídios acima. Afinal, quem não tem simpatia, por exemplo, por entidades filantrópicas ou atingidos por acidentes de barragens? Mas se o governo realmente quer caminhar para reduzir a conta de luz para todos, sem ficar escolhendo privilégios para grupos bem organizados ou para segmentos que rendem votos em currais eleitorais, há vários caminhos, sendo que três deles podem ter alto impacto.

Em primeiro lugar, como o ICMS responde por 44% da carga de tributos e encargos (21,1% dos 47,7%), não haverá redução dramática da conta de luz sem a redução gradual das alíquotas de ICMS, o que dependerá da cooperação dos governos estaduais, com a desejável – e talvez inevitável – liderança e persuasão do governo federal com apoio do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária, que congrega os secretários das Fazendas estaduais). O argumento deverá ser centrado sobre os efeitos benéficos de longo prazo advindos da redução do peso-morto tributário. E seria ótimo que a liderança do governo federal fosse legitimada pelo bom exemplo, com a definição de uma trajetória de redução das alíquotas de Pis/Cofins e CSLL (tributos federais) sobre a eletricidade.

Em segundo lugar, e buscando a redução dos encargos atuais, é preciso continuar o esforço de divulgação, revisão e contestação de encargos e subsídios, mas sempre respeitando contratos já firmados. O aumento do grau de escrutínio já foi louvavelmente iniciado pela Aneel com a abertura da audiência pública 052/2018 para examinar o encargo CDE, que responde pela maior parte dos subsídios setoriais e consumirá R$ 20,2 bilhões em 2019. Esta audiência foi encerrada em dezembro de 2018 e teve 103 contribuições de diversos agentes, sendo 40% delas parcial ou totalmente aceitas pelo regulador. Segundo o Diretor Geral da Aneel, a agência defende a discussão junto à sociedade sobre os subsídios embutidos na CDE.

Em terceiro lugar, o Congresso precisa promover um projeto de lei que bloqueie a criação de novos encargos ou a elevação de encargos existentes por meio de exigência de Análises de Impacto Tarifário calculadas pela Aneel, dando consequência prática aos custos tarifários dos subsídios que serão impostos aos consumidores. Além disso, dependendo do tipo de política pública que se pretende implantar, o ideal seria que os recursos para o seu custeio venham dos contribuintes (verbas do Tesouro Nacional), e não dos consumidores de eletricidade (tarifa).

O caminho para reduzir a conta de luz passa pelo fim da voracidade tributária, pelo respeito aos princípios de transparência e pelo extermínio do populismo tarifário.

Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)