Por Daniel Rittner e Vandson Lima – Valor Econômico

30/04/2019 – 05:00

O relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sobre a MP 868, medida provisória que altera o modelo de exploração do saneamento básico, incluiu um “jabuti” criticado por ambientalistas e entidades do setor privado: acaba com qualquer prazo legal para o fim dos lixões e a substituição deles por aterros sanitários.

A emenda incorporada pelo tucano ainda deve receber ajustes de redação, mas tem como objetivo delegar aos próprios prefeitos a fixação de um prazo para o encerramento dos lixões.

A Lei 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos em 2010, definiu o ano de 2014 como prazo para a substituição. A Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre) estima que cerca de 3 mil municípios ainda descumprem a exigência. Para atendê-los, seria necessário implantar em torno de 500 aterros – muitas prefeituras podem compartilhar uma mesma instalação.

Autoridades municipais que não atenderam à legislação ficam sujeitos a processos por improbidade administrativa, que podem levar à perda dos cargos e à proibição de exercer funções públicas.

Segundo fontes ligadas à tramitação da MP do Saneamento, o ajuste no texto foi feito em meio às pressões manifestadas na última edição da Marcha dos Prefeitos, no início de abril. Os prefeitos teriam levado suas preocupações com processos ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Enquanto a marcha ocorria, em Brasília, a deputada Flávia Morais (PDT-GO) conseguiu aprovar um requerimento para carimbar com “urgência urgentíssima” a tramitação do projeto de lei 2.289, que prorrogava o prazo para o término dos lixões.

Esse carimbo garante aos projetos sua inclusão na pauta das sessões, embora não seja assegurada sua votação efetiva. O texto da proposta, que já foi aprovada pelo Senado, adiava o cumprimento da regra para 2018 a 2021 – dependendo do porte da cidade. Como parte dos prazos já foi perdida, provavelmente exigiria uma redação mais atualizada.

Com a MP 868, surgiu espaço para destravar o assunto, que estava parado no Congresso. O parecer de Tasso, que deve ser votado na próxima semana em comissão, transfere aos próprios municípios a definição de um prazo para o fim dos lixões.

“É um retrocesso, que deixa essa responsabilidade à mercê da boa vontade dos prefeitos”, diz o presidente da Abetre, Luiz Gonzaga. “O projeto de lei estava parado justamente porque as forças da sociedade civil trabalharam para não haver nenhum tipo de postergação, mas agora veio a mudança na medida provisória.”

A MP 868 tem vigência até o dia 3 de junho. Precisa ser aprovada ainda nos plenários da Câmara e do Senado para virar lei, mas artigos específicos podem receber veto do presidente Jair Bolsonaro.

Curiosamente, a alteração na MP está sendo gestada no momento em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alardeia a criação do programa nacional Lixão Zero. A cerimônia de lançamento do plano ocorre hoje, em Curitiba, com a presença do ministro. No feriado da Semana Santa, ao visitar cidades do Maranhão, ele tratou como “inacreditável” e “vergonhosa” a presença de lixo espalhado em áreas de proteção ambiental no Estado.