Por Andrea Jubé e Marcelo Ribeiro – Valor Econômico

17/05/2019 – 05:00

Em meio à escalada da crise política, com a revelação de novos fatos relativos à investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o governo terá de afinar a relação com o Congresso para evitar uma derrota na reestruturação do primeiro escalão ou a desaceleração da reforma da Previdência. A disposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e dos líderes do Centrão – que têm ditado o ritmo dos trabalhos na Casa – é blindar a pauta econômica e construir uma agenda própria para evitar que o Congresso fique à reboque da crise do Executivo.

Ontem, Maia reuniu-se com os líderes das maiores bancadas para medir a temperatura da crise: a previsão unânime é de piora do ambiente político, que já está hostil ao governo. “Estamos trabalhando com o imponderável”, disse um líder influente que participou da reunião. O presidente da Câmara recebeu o cargo de presidente em exercício de Hamilton Mourão, que viajou ontem para a China.

A expectativa é de divulgação de novos dados relativos à quebra do sigilo bancário de Flávio Bolsonaro, do ex-assessor Fabrício Queiroz, de mais 84 pessoas e nove empresas na investigação conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Segundo a revista “Veja”, os promotores identificaram que Flávio investiu R$ 9,4 milhões na compra de 19 salas e apartamentos na Zona Sul e na Barra da Tijuca, no Rio, entre 2010 e 2017.

Outra preocupação dos líderes era com a dimensão dos protestos de rua, que reuniu centenas de milhares de pessoas reivindicando a revogação dos cortes no orçamento da educação. Os líderes acreditam que haverá novas manifestações e receiam a adesão de um público maior diante da postura do presidente Jair Bolsonaro, que optou pelo confronto ao chamar os manifestantes de “idiotas úteis”. Um novo protesto já foi convocado para o dia 30 de maio.

Em Dallas, o presidente Bolsonaro afirmou que revogar o corte de 30% nas verbas discricionárias da educação significaria implicá-lo na Lei de Responsabilidade Fiscal, dando ensejo a um processo de impeachment (ver também página A8). Um dos líderes que participou da reunião com Maia disse ao Valor, entretanto, que o Congresso não está disposto a deflagrar um processo de afastamento do presidente. “Somente as ruas têm esse poder, o Congresso só agirá se a pressão vier de fora”, observou.

Este líder diz que o primeiro movimento para evitar que o Congresso seja absorvido pela crise será uma soma de esforços dos presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) para preservar as instituições e garantir a governabilidade. Acrescenta que se o Planalto quiser aprovar a reforma administrativa, que reduziu a Esplanada para 22 ministérios – e tentar devolver o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao Ministério da Justiça – terá de construir um amplo acordo, capitaneado por Bolsonaro, pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni e pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Ainda tateando na articulação política, Moro visitou Rodrigo Maia, no exercício da Presidência da República, ontem no início da tarde.

Para aprovar a reforma dos ministérios e devolver o Coaf para Moro, o governo tem cinco medidas provisórias como obstáculo. Uma manobra regimental desastrada, que teve o aval do líder do governo, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) na semana passada, inviabilizou a aprovação em votação simbólica da matéria, conforme um acordo firmado entre Maia e o chefe da Casa Civil. O acerto previa a recriação do Ministério das Cidades – para o qual seria indicado o Secretário de Transportes de São Paulo, Alexandre Baldy (PP) – e a possível devolução do Coaf para Moro.

Há um clamor pela substituição de Vitor Hugo – até mesmo no Planalto e entre correligionários – mas dois fatores sustentam sua permanência na liderança do governo: é uma escolha pessoal do presidente, que o considera um “homem de confiança”; Bolsonaro estaria enfrentando dificuldades para encontrar alguém disposto a assumir o posto. “Houve uma pressão grande de alguns setores. Mal sucedida”, reconheceu um ministro palaciano ao Valor.

As articulações mal sucedidas de Vitor Hugo levaram aliados do presidente a cogitar possíveis substitutos, entre eles, o líder da Maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e os deputados João Roma (PRB-BA) e João Campos (PRB-GO).

Caciques dos dois partidos, entretanto, não escondem a resistência em compor o governo. As cicatrizes pelas declarações de Bolsonaro de que não cederia às pressões para fazer o que chamou de “velha política” seguem abertas. A percepção se estende a outras legendas de peso do Congresso.

A postura de Vitor Hugo tem alimentado a iniciativa de parlamentares do Centrão de contribuir com opositores para impor novas derrotas ao governo. Num cenário de obstrução dos partidos de oposição, que se revezarão na tribuna em discursos sobre as denúncias contra Flávio, a MP 863 que abre o setor aéreo para o capital estrangeiro será extinta, porque perde a vigência no dia 22. A reforma administrativa está ameaçada, porque antes vem a MP do Saneamento, repleta de divergências entre os partidos. Para garantir a Esplanada menor, o governo terá de aprovar um requerimento de inversão de pauta em uma articulação considerada difícil. Ela perde a validade no dia 3 de junho.