Por Ana Conceição – Valor Econômico

02/05/2019 – 05:00

A construção civil vive uma crise sem precedentes no Brasil e suas perspectivas estão fortemente atreladas à resolução de problemas, como a crise fiscal, no curto prazo. Para especialistas, a recuperação plena do setor depende, como quase tudo no país, de uma melhora macroeconômica, mudanças tributárias, qualificação de mão de obra e aumento de produtividade.

A aprovação da reforma da Previdência, e o que decorre dela, é considerada essencial para formar cenários de longo prazo. “Nos próximos anos, se não houver uma ação efetiva em relação ao déficit público não teremos crescimento sustentável da atividade, seja em habitação e edificações, seja em infraestrutura”, afirma Francisco Antunes de Vasconcellos Neto, vicepresidente do SindusCon-SP.

A reforma é importante porque reduz o risco do país, componente essencial de qualquer investimento, diz José Carlos Rodrigues Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). “Investimento feito agora tem retorno em dez anos. Assim, a redução de risco é uma agenda para hoje”, afirma.

Dito isso, o potencial de crescimento e de modernização do setor no médio e longo prazos é significativo diante da necessidade de recuperar e expandir a infraestrutura do país e de suprir uma demanda potencial por moradias que pode chegar a pelo menos 10 milhões de residências nos próximos dez anos.

“Na infraestrutura, há uma possibilidade enorme de crescimento porque há anos não se investe nem para repor a depreciação de capital. Na área habitacional, além do déficit estimado em oito milhões de moradias haverá demanda adicional com a formação de novas famílias”, afirma a economista Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Seria preciso aplicar US$ 500 bilhões para zerar o déficit em logística, energia, saneamento básico e telecomunicações no país, segundo estudo do SindusCon-SP. Para que o investimento chegue a 5,5% do PIB seriam necessários outros US$ 110 bilhões ao ano. De acordo com Martins, da CBIC, os aportes públicos e privados foram de 1,4% do PIB em 2018, menos da metade dos 3% requeridos para ao menos manter o nível de infraestrutura. “Para a economia crescer 4% ao ano, precisamos investir 5% do PIB ao ano na área”, diz.

Ana Castelo também aponta para a necessidade de melhora do cenário macroeconômico e diminuição das incertezas, sem os quais investimentos – e financiamento – de peso não devem ocorrer no volume necessário. A demanda pelos recentes leilões de portos, ferrovia e aeroportos mostrou que há apetite por negócios no país, considera. “O governo tem dito que o investimento em infraestrutura será feito por meio de capital privado. Os investidores virão se houver boas perspectivas”, diz Francisco Neto, do SindusCon-SP.

Na área de habitação, o que acontecer com a economia vai definir o perfil das famílias e da demanda, se de baixa ou média renda. “As famílias precisam de emprego, crédito e política habitacional. As novas famílias vão engrossar o déficit habitacional ou não? Ainda não temos essa resposta”, diz Ana Castelo.

Nas contas de Rafael Menin, presidente da MRV Engenharia, maior construtora do país, a demanda “real” por habitação formal é um mercado de cerca de 500 mil moradias por ano, contando todos os segmentos, econômico, de média e alta renda. Já a demanda potencial é de um milhão de moradias, que é o número de famílias que se formam por ano no país. “A boa notícia é que o país tem uma demanda potencial superelevada. Tem espaço para todo mundo, para empresas que atuam em todos os segmentos”, afirma.

Menin vê dois grandes gargalos a serem resolvidos: redução da burocracia e acesso a crédito. “A demora para licenciar um projeto chega a três anos, comparados a um ano em países como o México. Atuamos em 157 cidades, cada uma tem uma regra. É uma perda de eficiência enorme para o país. No crédito, existe a dependência do FGTS. É preciso buscar outras fontes”, enumera o empresário, que ainda não vê essas questões sendo encaminhadas pela administração pública, seja federal seja regional. Francisco Neto, do SindusCon-SP, também considera agenda prioritária a criação de meios de financiar a moradia das famílias de menor renda para além do FGTS.

Na área tributária, o setor entende que distorções emperram a industrialização, um processo essencial para o ganho de produtividade. “Se a empresa fizer o concreto na obra, na base do carrinho de mão, não paga ICMS nem IPI. Mas se adquire pré-moldados paga 17% de ICMS e IPI conforme o tipo de tributo”, descreve Martins, da CBIC, entidade que zontou o projeto Construção 2030 para discutir estratégias para o setor nas próximas duas décadas. A iniciativa envolve toda a cadeia, de construtoras a fornecedores.

Para Martins, além do papel de estabilizar a economia – nenhum setor consegue se planejar com tantos altos e baixos – o governo tem o importante papel de articular políticas de inovação e sustentabilidade. “Ele deveria ser um regulador, um indutor. A instância que, por exemplo, vai obrigar todos a usar BIM nos projetos”, afirma, referindo-se a uma ferramenta por meio da qual são criadas maquetes eletrônicas que simulam detalhes estruturais, interferências externas e internas, cálculos de eficiência energética, entre outros detalhes. “Isso abriria um caminho enorme para a produtividade.”

A capacitação da mão de obra é outra frente de ação necessária. Quando o setor crescia a taxas chinesas, entre 2006 e 2013, a falta de pessoal qualificado fez a produtividade cair. Com a crise, o investimento em qualificação fica prejudicado especialmente nas empresas menores. Formar mão de obra é um dos grandes desafios do setor, principalmente nos serviços especializados (pintura, instalações, etc), onde está o grande gargalo, diz Ana Castelo. “Qualificar os jovens, especialmente, é algo fundamental para que a gente possa pensar como vamos estar daqui a 20 anos.”