Folha de São Paulo
09/01/2020

Por Ivan Martínez e Vargas Alexa Salomão

Para sócio do fundo que arrematou rodovia Piracicaba-Panorama, brasileiros poderão bancar 40% dos investimentos no setor, hoje dependente do Estado e do estrangeiro

A queda da Selic (taxa básica de juros), que já está em 4,50% e vem reduzindo os ganhos da tradicional renda fixa, é uma oportunidade para os fundos que investem na economia real, como os fundos de infraestrutura, avalia Otávio Castello Branco, sócio da gestora Pátria Investimentos.

Nesta quarta-feira (8), a gestora venceu, em sociedade com o GIC (Fundo Soberano de Singapura), o leilão de estradas estaduais paulistas que conectam Piracicaba e Panorama.

O lote, que tem 1.273 quilômetros, é o maior já licitado no país. O consórcio ofereceu outorga de R$ 1,1 bilhão pela concessão de 30 anos, mais que o dobro do ofertado pelo outro participante do leilão, a Ecorodovias.

A migração dos recursos da renda fixa para ativos com mais risco, mas maior retorno financeiro, será natural no atual cenário de juros baixos, segundo o executivo.

Castello Branco afirma que os últimos investimentos do Pátria em infraestrutura já têm parte expressiva do financiamento vinda do aporte de pessoas físicas. Para ele, a nova tendência é crescente e veio para ficar.

Para o executivo, é factível que até 40% dos recursos para investimento no setor tenham origem local, o que tende a quebrar uma dependência histórica do país pelos investimentos estrangeiros na área.

O Pátria também controla a Entrevias, concessionária que administra sete estradas paulistas, e comprou em dezembro a Cart, que opera o corredor Raposo Tavares.

De acordo com Castello Branco, a gestora deve fazer mais incursões no setor e olha oportunidades em segmentos como energia elétrica, infraestrutura para viabilizar a rede 5G, logística portuária e saneamento.

Os senhores têm avançado no setor de rodovias. Em dezembro, adquiriram a Cart (que opera a Raposo Tavares), já têm a Entrevias. Quais são os planos de vocês na área de concessões de estradas? Pararam por aí?

Não dá para dizer que paramos por aí, mas já é um belo desafio o que a gente tem pela frente. São três grandes concessões concentradas no estado de São Paulo. Mas tem muita coisa por vir. Esse é um dos maiores setores da infraestrutura.

O que vocês andaram olhando?

 Estamos respirando agora, porque a gente estudou muito a Pipa [Piraciccaba-Panorama]. Ficamos estudando por um ano e, em paralelo, conversando com a Cart.

No leilão, o Pátria apresentou a proposta de pagar uma outorga de R$ 1,1 bilhão, mais que o dobro do oferecido pela outra participante do certame, a Ecorodovias. Por que tão alto?

Otávio Castello Branco, sócio do fundo Pátria – Zanone Fraissat/Folhapress É a regra, né? O envelope é fechado e você não sabe o do outro. Se eu soubesse, se tivesse bola de cristal [risos]… Mas estamos muito confortáveis com o preço pago porque ele é resultado de uma avaliação longa.

Qual é a participação do Fundo Soberano de Singapura no consórcio?

 É de 30%.

Como foi a conversa para atraí-lo?

Eles já são investidores do Pátria há muito tempo e têm uma confiança grande da gente. Geralmente, esses investidores, além de investirem nos fundos do Pátria, gostam de coinvestir. Isso é uma prática, um desejo que eles têm.

São fundos muito grandes. O GIC [sigla que denomina o Fundo Soberano de Singapura] é um dos maiores do mundo. Eles têm um volume grande de capital e é um desafio decidir como alocar o dinheiro. O Brasil é um dos lugares prioritários para eles -e rodovia é um setor que oferece boas oportunidades.

Especificamente nesta concessão havia uma crítica de que ela estava muito grande, que tinha muita sobra e que isso derrubaria a rentabilidade…

O IFC (órgão do Banco Mundial) tem trabalhado muito próximo ao governo do Estado. A Artesp tem feito um bom trabalho. É uma das agências reguladoras mais antigas, conhece o setor e fez algumas adaptações para encontrar o equilíbrio. Afinal, são 30 anos de concessão, um dos maiores volumes de investimento -se não o maior- que já foi ofertado: R$ 14 bilhões.

Como os senhores farão o financiamento da outorga e dos investimentos?

Vamos olhar todas as fontes, ainda não tem nada contratado.

Podem recorrer ao BNDES?

 Sim, pode ser BNDES, pode ter mercado de capitais. Uma das vantagens hoje é que o mercado de capitais, que não era considerado até cinco anos atrás, se tornou uma excelente fonte. Esse mercado de capitais é um dos benefícios que a baixa taxa de juros nos trouxe. Agora você consegue lançar uma debênture de infraestrutura.

Gente que olha de fora o setor diz que o mais curioso nesse leilão foi o avanço dos fundos. Está havendo uma mudança no perfil do investidor da infraestrutura, uma mudança mais profunda, num mercado antes dominado por construtoras?

Existe uma mudança, sim, do tipo de investidor. Isso é um benefício das transformações que ocorreram nos últimos cinco anos.

As melhorias institucionais ajudaram muito. Comparado ao ciclo anterior de investimentos, o setor de infraestrutura, em geral, é mais transparente agora. A competição é mais racional e menos artificial. Tem menos subsídio. O mercado de capitais agora faz uma pré-seleção, em vez de simplesmente colocarem estatais ou bancos públicos para financiar. Tem uma dinâmica muito melhor agora. Isso abre a porta para os fundos [de investimento]. Não são os típicos empreiteiros que tinham um mercado muito fechado.

Antes seria a lógica de priorizar a obra…

Sim, e uma lógica que limitava o acesso ao capital. Era um grupo [de operadores], com financiamento do BNDES e práticas que, vocês viram aí durante muito tempo, dificultavam para alguém de fora penetrar.

Agora não. Os sinais estão corretos, a dinâmica competitiva está transparente. Assim, entramos na Entrevias em 2017 e em linhas de transmissão em 2016. São setores regulados dos quais antes ficávamos distantes.

As regras de aeroportos, também foram flexibilizadas para permitir que investidores financeiros entrassem.

Temos uma boa tendência, e acho que vamos ver uma abertura cada vez maior nessa área, com um volume de investidores bem maior do que hoje.

Mas hoje o Pátria está quase sozinho com fundos que investem em infraestrutura no país.

Tem alguns estrangeiros também, mas, é verdade, como fundos, sim. Porque não é um mercado simples. Não é como comprar ações em bolsa, que você compra 5% ou 10% [de uma empresa] e, se eu quiser, vende.

Neste caso, a gestão é que faz a diferença. Você gerir uma concessão desse porte da Pipa é desafiador. É difícil algum investidor que está em Nova York ou Londres olhar e participar. Hoje ainda são poucos que entendem o Brasil. A gente está aqui há muitos anos e tem esse conforto.

Se não tiver uma presença local, com gestão local, saber como funciona a regulação, é difícil. Por isso normalmente a coisa acontece em associação com alguém local. No passado, eram grupos que talvez tivessem as práticas erradas os que se apresentavam como sócios. Agora, acho que está havendo uma melhoria sensível no setor.

Construtoras tinham a lógica da obra. Qual seria a lógica dos fundos?

De uma forma geral, é retorno [financeiro]. Os fundos têm uma missão. Tem o fundo soberano, que precisa aplicar as reservas do seu país. Tem os fundos de pensão, que precisam atender seus aposentados e têm meta atuarial. Tem os family offices [que administram patrimônio de famílias abastadas] globais, os fundos de investimento de bancos privados, que canalizam recursos de pessoas físicas.

A lógica da infraestrutura é o do retorno, mas com um elemento adicional, que é a lógica da proteção do capital. A infraestrutura tem um perfil de risco mas, uma vez em operação, tem estabilidade muito grande de receita. Para um fundo de pensão, por exemplo, é muito bom, porque ele tem obrigações por dezenas de anos pela frente.

A infraestrutura tem alta correlação com a inflação e baixa, com o PIB. Mesmo nos ciclos econômicos [de crise], a infraestrutura segura. Em estradas, mesmo numa recessão, você precisa transportar seu produto, a atividade diminui, mas ela segura. Em energia é a mesma coisa.

As empreiteiras que dominavam o setor tinham uma lógica da obra, e a concessão ficava em segundo lugar. Agora, a lógica é de operar a concessão, ter um bom retorno e oferecer um bom serviço.

Hoje, o investimento de infraestrutura é para o grande investidor. Com queda da taxa de juros no Brasil, vocês enxergam a possibilidade para que pequenos investidores comecem a entrar em investimentos mais robustos como esse da Pipa?

Já está acontecendo. Nesses primeiros investimentos que estamos fazendo neste ano há capital de pessoas físicas.

É um capital relevante, o que é fenomenal, pois não existia isso. É capital captado pelo nosso fundo através de bancos que têm redes de clientes. A parcela de capital do Brasil era muito pequena e agora está aumentando. Antes era muito fácil você obter rentabilidade aplicando em renda fixa, com os juros altíssimos. Você deixava no banco, comprava um CDB e tinha uma rentabilidade garantida bem acima da inflação.

Hoje em dia não. Se você deixar paradinho, vai ter uma rentabilidade pífia que mal cobre ou nem cobre a inflação.

O que está acontecendo? As pessoas físicas estão buscando alternativas para ter rentabilidade adequada. Aceitam até correr mais risco. Esse dinheiro está sendo canalizado para atividades de economia real em vez de ficar parado na renda fixa.

Mas a primeira corrida foi para a Bolsa.

Sim, e a Bolsa se valoriza. Agora, por incrível que pareça, nesses investimentos de longo prazo têm interesse de pessoas físicas. Estamos diante de uma mudança estrutural.

A maior parte do capital que os grandes gestores globais de private equity [fundos que investem em empresas sem garantia de retorno] geram são dos países de origem deles, geralmente baseados no Canadá, nos Estados Unidos, na Austrália.

Aqui, a gente não tinha isso, captava pouco aqui. A maior parte do recurso vinha lá fora. Os caras até olhavam isso e perguntavam: cadê os brasileiros? Estavam na renda fixa.

Mas esse juro baixo é um ponto fora da curva na história do Brasil…

Sim, mas acho que é permanente. Se não houver um susto pela frente, pela primeira vez, estamos vivendo a taxa de juros baixa pelas razões certas. Não tem pressão inflacionária, a economia está muito bem gerida. A taxa de juros está refletindo a inflação baixa e não há necessidade de mudar isso.

Eu trabalho na área financeira desde a década e 1980 e nunca vivi isso: esse binômio de juro baixo e inflação baixa com crescimento econômico. É a primeira vez.

Temos trilhões de reais na renda fixa ainda. Para onde vai esse capital? Se 10% disso for para a infraestrutura, vamos financiar o crescimento.

Historicamente, o país sempre foi atrás do investimento estrangeiro na área de infraestrutura. O senhor está dizendo que o próprio Brasil pode se financiar?

 A gente não consegue ser autossuficiente. O Brasil não tem o capital suficiente para financiar tudo o que precisa. Mas podemos colocar uma parcela importante do investimento.

Em vez de zero, de só o BNDES e de alguns fundos de pensão, agora podemos imaginar uma situação em que 30% ou 40% do capital seja financiado aqui dentro. O Estado não tem recursos. Nem estados, nem municípios, nem governo federal. Com o ajuste fiscal que têm de adotar daqui para frente, não vai sobrar nada para investimento em infraestrutura. Cabe à iniciativa privada.

Até agora, era a estrangeira. Como o investidor de fora tem outras opções, você fica flutuando de acordo com a aversão a risco. Tem uma hora que está bem, outra que está ruim.

Mas já existe um movimento concreto nesse sentido?

Tem, obviamente ainda ligado ao grande poupador pessoa física, mas vai ampliar. Os grandes gestores de poupança voltada à pessoa física, como grandes bancos de rede, certamente vão olhar para canalizar parte dos recursos para a economia real.

Pensa na sua poupança. Independentemente do tamanho dela, o gerente do banco vai ter que te oferecer alguma opção diferente do que simplesmente comprar fundo do Itaú ou do Bradesco, que rendem algo que mal cobre a inflação. No passado, dava dinheiro. Hoje em dia não dá mais.

Então, o que teríamos seria um novo arcabouço para a indústria de fundos no país?

Sim. Essa indústria canaliza muito capital, tem poucas empresas hoje. Nos próximos anos, vamos ver o crescimento de novos gestores no Brasil.

Esse é um ciclo virtuoso. Quando você tem estabilidade, bons fundamentos macroeconômicos e isso vai permitir que o país dependa menos do capital estrangeiro e mais da sua poupança para fazer a infraestrutura.

 Os senhores têm alguma meta de ter participação desse investidor?

Não, mas quanto mais capital local, melhor. É bom para o nosso negócio e para a economia. A volatilidade do câmbio atrapalha e a nossa moeda ainda é volátil. Você pode fazer um ótimo investimento para o estrangeiro, mas o câmbio pode atrapalhar e o investidor olha o que aconteceu em dólar.

Se você tira essa variável de volatilidade, é muito melhor, mais estável.

A taxa de investimento em infraestrutura no Brasil é muito baixa. Uma crítica recorrente é de que o capital privado, sozinho, não vai suprir a demanda e que só olha para o que é economicamente rentável. O país é pobre, tem regiões em que não será viável um investimento privado. Como supre isso?

 A taxa de investimento do Brasil é muito baixa mesmo e tem que aumentar. Tivemos esse leilão [da Piracicaba-Panorama] com um grande investimento, mas localizado. E a nossa infraestrutura é boa aqui em São Paulo, mas no Brasil inteiro deixa muito a desejar.

Na hora em que você consolida tudo e mede estatisticamente, a formação de capital do Brasil é muito baixa comparado a outras histórias de sucesso. Nunca passa de 2% do PIB [Produto Interno Bruto]. Agora, parece que vai chegar a 3% com os movimentos que têm acontecido, mas ainda é pouco. Teríamos que investir mais de 4% do PIB por um período longo, de 20 anos, para que chegasse perto das economias onde a infraestrutura é considerada razoável.

 Como que isso vai mudar? Primeiro, precisa da vontade dos estados e do governo federal em oferecer as oportunidades para que isso aconteça —e tem acontecido. A regulação tem melhorado, facilita a atração de capital. Agora, precisa pulverizar isso Brasil afora. Aí tem que entrar PPP. A taxa da utilização de parcerias público-privadas no Brasil é muito baixa, e isso tem que mudar.

O BNDES está com um esforço grande de abrir as portas para que municípios e estados abordem o banco pedindo ajuda sobre como modelar uma PPP de modo a atrair capital. É por aí que tem que acontecer.

A modelagem de projetos ainda é um problema?

É ruim. Não temos a cultura [de fazer projetos]. Às vezes, o próprio juiz local não respeita o contrato. Aí o investidor nunca mais volta ali.

Essa melhora na cultura é gradual, demora um pouco a cair a ficha. Aquele município que ficou sem investimento por causa da decisão do juiz vai olhar o município do lado, que pode ter recebido. O que o vizinho fez certo? É uma curva de aprendizado.

Rodovias estaduais e concessões municipais de saneamento têm essa dificuldade de educação, preparação, de mudança de mentalidade dos gestores públicos locais. Essa mudança já tem acontecido. E São Paulo serve de exemplo.

Mas mesmo aqui em São Paulo, o TCE chegou a questionar a licitação da Piracicaba-Panorama, o que atrasou o cronograma do leilão. Sempre tem alguém insatisfeito, não só aqui, em qualquer lugar do mundo. É um pouco do formalismo dos processos do Brasil. Uma coisinha de nada acaba atrasando o processo.

Você encontra risco regulatório em qualquer país. Na Inglaterra, que foi o país que iniciou a privatização de infraestrutura, estão vivendo uma intervenção agora, vivendo um risco regulatório como nunca viveram. O governo chega de forma populista e diz que tem que baixar a tarifa.

O que não pode é a regra do jogo mudar no meio. O desrespeito ao contrato, a intervenção.

Aqui, há uma discussão sobre o subsídio à instalação de placas solares e o presidente Bolsonaro chogou a falar proibir ‘taxar o sol’. Como o senhor vê isso?

Não é taxar o sol. Existe uma confusão, e acho que ela vai ser resolvida. Havia uma brecha na legislação que permitiu que vários empreendimentos solares aparecessem em que o empreendedor fazia o parque solar de 10 MW (megawatt) na região de São Paulo e vendesse para pequenos consumidores.

É como se você, na sua casa, fosse produtor, mas a planta está em Campinas. Como eu tenho um contrato de aluguel com você, você tem direito de se beneficiar [do subsídio]. Isso é muito engenhoso.

No entanto, para essa energia ir e Campinas até a sua residência, tem um longo caminho que passa pela rede da distribuidora. As distribuidoras são obrigadas, por regulação, a manter e expandir [a rede], aí tem um sujeito que usa de graça? Seria como usar uma rodovia sem pagar pedágio como os outros.

No começo, isso não incomodava, mas começou a ficar grande.

A Aneel entende isso de maneira clara, mas o presidente insiste. Acho que ele vai entender. A maioria das nossas distribuidoras é privada. Se um ato as obriga a distribuir o elétron de graça, dá [margem a] reequilíbrio econômico. Não tem nada de graça, alguém paga a conta. E quem paga a conta são os outros consumidores.

Além dos ativos rodoviários, os senhores têm olhado o setor portuário. Vão continuar?

Sim, já investimos em terminais no Norte, agora em Santos. É sempre um segmento que a gente olha e estamos olhando para outros ativos, embora não haja uma decisão [de investimento] ainda. No nosso dia a dia, não tem nenhum setor para o qual não olhamos.

No passado, até tinha, pelas razões institucionais que falei. Hoje, temos uma reunião semanal de oportunidades. Terminais privativos, logística e transporte são um tema central para nós.

Temos também o setor de energia. Acabamos de anunciar investimentos na área de renováveis, solar e eólica.

Toda a área de economia digital, que envolve banda larga, torres de celular, data centers, são setores importantes.

Tem um setor que ainda precisa sair da casca que é o de saneamento. É típico de grandes alocações no exterior, mas no Brasil isso ainda está muito atrasado. Agora, a legislação é promissora, [com a possibilidade] de abrir o segmento para capital privado. Vamos olhar de perto.

Como os senhores olham o marco regulatório do saneamento que ainda depende de aprovação do Congresso?

Está sendo finalizado, mas o caminho é bom. Vai empurrar os municípios a terem de se adequar e formar grupos. Vai empurrar os estados a tomarem decisão sobre suas próprias estatais.