Valor Econômico
28/06/2021

Agenda dos próximos anos é digital, verde e inclusiva, sendo a tecnologia capaz de catapultar as três áreas

Os sinais da expansão do mundo digital estão por toda parte, são claros. Nenhum país pode prescindir de se transformar digitalmente. A oferta de empregos em tecnologia digital explodiu no Brasil e não há gente qualificada no mercado, aponta uma recente reportagem do jornal O Globo. O New York Times destacou nas últimas semanas dois temas indicadores dos novos tempos: exigências de maior qualificação digital para as oportunidades de emprego nos EUA e a segurança cibernética do país.

No primeiro encontro do presidente Biden com o presidente Putin em Genebra, as armas cibernéticas foram elevadas ao topo da agenda das duas potências. Na Austrália, os serviços online das grandes corporações pararam de funcionar duas vezes nas últimas semanas. As interrupções da internet afetaram vários bancos australianos, companhias aéreas e a Bolsa de Valores de Hong Kong, entre outras empresas.

Agenda dos próximos anos é digital, verde e inclusiva, sendo a tecnologia capaz de catapultar as três áreas.

A covid-19 acelerou anos de digitalização em apenas alguns meses. “Demos um salto de cinco anos, pois toda a população foi repentinamente forçada a se tornar digital”, segundo um executivo da McKinsey Digital na Europa. Essas mudanças fizeram com que quase 70 milhões de pessoas na Europa passassem a usar serviços digitais pela primeira vez nos últimos seis meses, de acordo com uma pesquisa conduzida pela McKinsey, com a maioria dos entrevistados agora preferindo interagir com empresas somente por meios digitais.

Em 2023, a Índia assumirá a presidência do G-20 e já prepara os temas que deverão estar na agenda do grupo. Dentre esses temas estão duas deficiências cruciais que são resultado do desenvolvimento digital até então não regulamentado: a falta de confiança de que os dados privados dos cidadãos serão protegidos de forma adequada por entidades estrangeiras e as grandes divisões internacionais que distorceram os benefícios da digitalização para alguns países. A região do Indo-Pacífico está particularmente ameaçada por ataques cibernéticos.

Estudos concluíram que a população da região carece de habilidades digitais e seus limitados sistemas de segurança cibernética custam às nações mais de US$ 300 bilhões por ano.

E o Brasil? Não podemos desistir do futuro, que segue à nossa espera, aguardando uma mudança de atitude coletiva da nação frente às possibilidades que a proximidade da saída da pandemia apresenta. Precisamos de um Brasil digital, diferente do Brasil de hoje, com oportunidades para todos. Um projeto de Brasil que seja inspirador a construir outro Brasil. Que seja moderno, eficiente, e ao mesmo tempo inclusivo, não racista, não sexista, acolhedor e menos desigual.

São visões necessárias para imaginar um país diferente e melhor, que motive as novas gerações a ficarem por aqui para construir um país mais moderno, mais justo, mais alegre. Como disse o músico Gilberto Gil numa recente e iluminada entrevista: o desenvolvimento da tecnologia precisa vir com distribuição de riqueza.

A visão de um Brasil digital tem várias dimensões que precisam ser planejadas por governos, pelo setor privado, pela academia e pela sociedade civil. Algumas dimensões fundamentais de um Brasil digital são: 1) infra-estrutura digital; 2) segurança cibernética 3) força de trabalho qualificada, 4) dados abertos e inovação 5) cooperação internacional e regional em tecnologia 6) investimentos em pesquisa e desenvolvimento em novas tecnologias e 7) governança digital.

Boas notícias existem como a entrada em funcionamento da Agência Nacional de Proteção de Dados Pessoais, porém são poucas e lentas. A percepção do avanço digital encontra-se escondida, camuflada e eclipsada pela ruidosa cacofonia da política nacional.

Os debates internacionais sobre a agenda de desenvolvimento para os próximos anos apontam claramente na direção de uma agenda digital, verde e inclusiva, sendo que a tecnologia constitui-se em alavanca poderosa capaz de catapultar as três áreas. Das ferramentas de produtividade pessoal, às cidades sustentáveis, passando pelos programas de proteção social, o potencial transformador das ferramentas digitais mal começou a ser explorado. O mundo digital não existe no vácuo, suas interações com o “mundo tradicional” ocorrem nas duas direções, um influencia o outro.

O futuro é digital. É necessário nos prepararmos para ele ao mesmo tempo em que nos organizamos para construí-lo concretamente. Ano que vem teremos eleições presidenciais e muitas distrações, típicas de um ano eleitoral. O importante é que neste meio tempo nos concentremos naquilo que nos permitirá sair deste difícil momento pelo qual o país passa. A transformação digital é um dos caminhos.

Milhares de startups foram criadas em função das oportunidades geradas pelo covid-19. As empresas líderes dos setores mais importantes da economia obtiveram ganhos de produtividade significativos desde o início da pandemia. A mídia mudou de forma irreversível com o advento das redes sociais e a indústria do entretenimento foi desafiada a reinventar-se radicalmente. Dois exemplos singelos dessas mudanças são o ensino à distância e a telemedicina. Ambos são “game-changers” das políticas sociais mais importantes do ponto de vista da universalização do acesso dos pobres aos serviços públicos capazes de alavancar mudanças de patamar irreversíveis no capital humano dos países pobres e emergentes.

O “reset” decorrente dos efeitos combinados da pandemia e da revolução digital abre possibilidades para inovações e avanços que coloquem em prática novas formas de solidariedade social e de provisão de serviços públicos. A tecnologia pode e deve ser colocada a serviço do bem, do interesse público, do suporte aos segmentos sociais desfavorecidos por dinâmicas econômicas concentradoras e excludentes.

O desafio consiste em dar direção e coesão aos esforços de governo e às iniciativas empreendedoras oriundas da sociedade na construção de um país mais alinhado com os princípios de justiça social.

Francisco Gaetani é professor da Ebape-FGV e ex-secretário executivo dos Ministérios do Meio Ambiente e Planejamento.

Virgilio Almeida é professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard e ex-secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.