Sem reorganização dos decretos do novo marco do saneamento, não haverá universalização

Nos últimos dias, foram noticiadas informações com versões enviesadas, procurando desqualificar propostas de saneamento do Grupo de Transição de Cidades que compuseram o Relatório entregue ao Presidente eleito Lula. Um dos focos do relatório, que absorveu boa parte das proposições da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), é atender a população que vive em áreas rurais do país e que não serão atendidas apenas com a estratégia concebida pelo governo atual, que privilegia apenas o setor privado em detrimento dos prestadores públicos.

A Aesbe alerta para o que vem ocorrendo nas modelagens para a privatização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil, que simplesmente excluem as áreas rurais sob a justificativa de que tornam os contratos inviáveis.Ao invés de construir modelos que tornem viáveis os serviços a toda a população, a atual legislação favorece as empresas privadas, oferecendo a elas as cidades rentáveis e deixando a população rural sem os serviços essenciais à vida”, afirma Neuri Freitas, presidente da Aesbe e da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).

Consta no relatório do GT Cidades, e não foi priorizado pela grande mídia, que o futuro Ministério das Cidades, no governo do Presidente Lula, deve contemplar estrutura e políticas públicas adequadas para inserir as populações rurais na prestação dos serviços. Retirar o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) da prateleira e implementá-lo é fundamental. Por isto, é necessário fortalecer o saneamento rural na Secretaria Nacional de Saneamento com a criação de um Departamento específico para as políticas e programas nestas áreas, e, ainda, a incorporação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), instituição com a maior especialização nas soluções de saneamento rural do país.

O PNSR foi elaborado em 2019, com propostas concretas e atualizadas. Mas, nunca foi implantado e se transformou em peça de prateleira neste governo que se encerra. As estratégias do Programa se pautam na tríade (i) educação e participação social; (ii) tecnologia; e (iii) gestão dos serviços. Infelizmente, apesar do robusto planejamento e diagnóstico dos aspectos sociais presentes no documento, não foram realizados os investimentos necessários para executar o Programa.

Em 2020, o governo do Presidente Bolsonaro aprovou no Congresso Nacional a Lei 14.026 que reforma o marco legal do saneamento básico, e, dentre outras mudanças, revisa de forma significativa a lei 11.445/2007. O mesmo governo publicou três Decretos para regulamentar, em parte, a nova lei – Decretos nº 10.588/2020, 10.710/2021 e 11.030/2022. As mudanças na Lei e os Decretos em nada alteraram o quadro frágil das populações rurais, ao contrário, induziram a uma lógica de viabilidade econômico-financeira dos serviços, que para ser alcançada, como antes mencionado, simplesmente retiram as populações rurais do atendimento com os serviços.

Ademais, as revisões trazidas pela nova Lei e pelos Decretos também em nada alteraram o quadro das companhias estaduais no que diz respeito a este atendimento. Impôs-se um modelo de comprovação da viabilidade econômico-financeira dos contratos de programa existentes sem nenhuma orientação quanto à inclusão destas populações rurais. Ao contrário, as novas regras fazem valer a figura da área de abrangência do contrato, muitas vezes sequer identificada, e assim as tão propaladas metas de universalização trazidas pela Lei passam a ser aceitas para esta área de abrangência, lógica perversa para o atendimento da população rural.

“É urgente a necessidade de mudar este quadro trágico. Alterações na legislação e nos decretos são fundamentais para reorientar o saneamento básico no país e fazer com que os serviços não sejam apenas pautados no urbano e na busca pelo lucro”, ressalta Neuri Freitas.

O marco legal do saneamento básico deixa claro, desde 2007, quando a Lei 11.445 foi sancionada pelo Presidente Lula, que a universalização dos serviços públicos de saneamento básico deve incluir, não somente as populações das áreas urbanas, mas também as das áreas rurais. Nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, da Organização das Nações Unidas – ONU, a meta 6 fixa que os países signatários, dos quais o Brasil faz parte, devem universalizar para todos o acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário até 2030. O pleonasmo “universalizar para todos” serve para reforçar que toda a população deve ser atendida pelos serviços, independente de viverem em áreas urbanas ou rurais.

Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), documento oficial de planejamento do Governo Federal, no ano de 2019 – último ano em que tais dados foram publicados –, o percentual de domicílios abastecidos com água por rede de distribuição ou por poço ou nascente nas áreas rurais é de 71,3%, enquanto nas áreas urbanas é de 97,8%. Considerando urbano + rural o índice é de 94,6%. Em relação ao esgotamento sanitário, o percentual de domicílios servidos por rede coletora ou fossa séptica para os excretas ou esgotos sanitários nas áreas rurais é 30,7%, enquanto nas áreas urbanas é de 81,2%. Para as áreas urbanas + rurais o índice é de 75,9%.

O Plansab propõe que a universalização dos serviços de água e esgotos deve adotar não somente o atendimento por redes, mas também as soluções individuais ou alternativas, tão importantes nas áreas rurais. Por este motivo, os índices definidos pelo Plansab são mais elevados do que aqueles amplamente divulgadas pela grande mídia, que normalmente utiliza os índices do SNIS, os quais se referem somente ao atendimento por redes de distribuição de água e de coleta de esgotos. Em 2019, considerando as áreas urbanas + rurais, tais índices foram de 83,7% para água e 61,9% para esgotos. Estes índices não levam em conta a dicotomia da falta de atendimento por serviços de água e esgotos na área urbana e na área rural. Esta realidade, tem o objetivo de dar conotação alarmista aos dados e favorecer a privatização dos serviços públicos no país. Divulgam índices menores e desconsideram o próprio planejamento nacional do Governo Federal, consubstanciado no Plansab.

“O Brasil do Futuro não pode ser excludente. O saneamento rural é um direito que deve ser respeitado e transformado em realidade concreta. Por isso, é urgente que sejam feitas as reformulações dos decretos do novo marco. A Aesbe afirma que sem as devidas alterações, a universalização dos serviços de saneamento não será uma realidade”, finaliza o presidente Neuri Freitas.

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