Estadão
02/07/2020

Por Amanda Pupo

Sugestão é que as concessões de saneamento tenham revisões periódicas nas quais as projeções de consumo sejam reavaliadas e que o risco de demanda do concessionário seja limitado

BRASÍLIA  – Os serviços de saneamento prestados por empresas privadas devem ter uma regulação híbrida, que permita uma reavaliação periódica da concessão e do mercado atendido por parte da agência reguladora, mas que também preveja no contrato qual será a metodologia utilizada nessas atualizações. A conclusão é de um estudo inédito sobre regulação no setor lançado pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços de Água e Esgoto (Abcon).

O material foi produzido em parceria com a consultoria Pezco Economics e o Portugal Ribeiro Advogados e divulgado na semana passada, quando o Congresso aprovou o novo marco legal do saneamento.

A lei, que ainda precisa ser sancionada, atribui à Agência Nacional de Águas (ANA) a missão de editar diretrizes gerais para a regulação deste mercado, e a ideia é de que o estudo possa colaborar no processo de elaboração dessas normas de referência. Tema caro ao saneamento, a regulação do setor tem movimentado o mercado e o poder público, já que uma melhora no quadro atual é esperada para aumentar a atratividade dos serviços. Como revelou o Broadcast na última sexta-feira, 26, o governo vai contratar consultoria para propor alternativas nessa área.

Advogado do escritório Portugal Ribeiro que participou da elaboração do estudo da Abcon, Marcelo Lennertz explicou em entrevista ao Estadão/Broadcast que o modelo de regulação proposto mistura elementos da regulação discricionária, usada, por exemplo, no setor de energia e para as estatais de saneamento, com a regulação contratual, encontrada em serviços como as concessões de rodovias federais. Na primeira, a agência reguladora tem mais poder sobre as fases da concessão, enquanto que, na segunda, a regulação fica mais adstrita ao contrato.

A sugestão é de que as concessões de saneamento tenham revisões periódicas nas quais as projeções de consumo sejam reavaliadas e, portanto, o risco de demanda do concessionário seja limitado. Por exemplo, de quatro em quatro anos, a empresa assumiria novos riscos da demanda de acordo com previsões atualizadas. Com isso, a concessionária não precisaria carregar esse risco ao longo de 30 anos de contrato, por exemplo.

Para Lennertz, fazer com que a empresa assuma o risco a tão longo prazo é prejudicial para as licitações, além de fazer com que a empresa precifique num valor muito maior a prestação dos serviços.

Esse é um dos pontos de discordância entre a proposta do estudo e os projetos elaborados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no setor de saneamento, segundo o advogado. Nas modelagens desenhadas pelo banco, disse ele, há uma alocação mais clara desse risco à concessionária. “Você assumir que a concessionária no momento da licitação vai ser capaz de saber o que vai acontecer no local ao longo de 35 anos não é razoável”, disse.

Para que a agência reguladora não tenha um poder desmedido nessas revisões, Lennertz avalia que, desde a largada, é preciso ter uma previsão de qual será a metodologia e os parâmetros usados nas atualizações. Segundo Lennertz, o que se percebe é que em muitas vezes a linguagem da revisão ordinária é ampla e genérica, o que gera insegurança para as empresas. “É muito melhor que as regras estejam previstas expressamente no contrato”, disse.

Fluxo de caixa

O material também defende uma abordagem diferente da do BNDES em relação ao fluxo de caixa das empresas. Segundo o advogado, nos projetos atuais, o banco tem adotado a metodologia do fluxo de caixa marginal, ou seja, não utiliza a movimentação calculada no plano de negócios apresentado pela concessionária.

No estudo, os especialistas defendem que o fluxo de caixa da empresa seja usado e represente, portanto, o “estado de equilíbrio” da concessão. Essa opção, alegou Lennertz, reduz em muito o risco de questionamento judicial sobre as premissas que serão usadas caso o contrato precise ser reequilibrado.

“Esses projetos, como o da Cedae (RJ), por exemplo, tem proposto até uma descrição da metodologia que deve ser considerada no desenvolvimento desse fluxo de caixa que será usado no reequilíbrio. Mas não é o fluxo que a concessionária levou em consideração quando fez a proposta”, explicou. Segundo Lennertz, faz sentido que o fluxo de caixa marginal seja usado somente nas situações em que novos investimentos e serviços serão inclusos no contrato, o que é proposto no estudo.