Por Cristian Klein, Beth Koike e César Felício – Valor Econômico

O economista Paulo Guedes – nome indicado por Jair Bolsonaro para ser seu Ministro da Fazenda caso venha ser eleito presidente da República – afirmou que, no plano de governo que prepara para o pré-candidato, constará um amplo programa de concessões e privatização de estatais capaz de arrecadar R$ 700 bilhões. O objetivo é que a venda de ativos da União reduza em cerca de 20% a dívida pública federal, atualmente, em torno de R$ 3,5 trilhões.

Em entrevista de seis horas concedida a em seu escritório no Leblon, no Rio de Janeiro, cujo conteúdo foi antecipado na sexta-feira pelo Valor Pro, serviço de notícias em tempo real do Valor, e pelo Valor Online, Guedes apresentou as principais diretrizes na área econômica e como pretende obter apoio político para as mudanças, entre elas uma reforma da Previdência para o regime de capitalização, inspirado no modelo chileno, com redução dos encargos sociais e “sem Justiça trabalhista”. O economista conta que ainda não discutiu sobre a reforma da Previdência com Bolsonaro, que publicamente é contra as medidas de mudanças. O discurso de Guedes vai na contramão dos atuais privilégios de algumas categorias como dos militares. “Eu não sei por que a previdência pública tem que garantir benefício extraordinário para o cara que já teve estabilidade de emprego a vida inteira. Esse cara que pague uma previdência privada”, afirmou o economista que coordnea a campanha do deputado.

Para o economista, os R$ 700 bilhões obtidos com as privatizações e concessões teriam um impacto imediato na redução dos juros da dívida e criariam espaço para a destinação de mais recursos para saúde, educação, saneamento e segurança que em sua visão são as “aspirações de uma democracia emergente”. Ele não quis detalhar quais estatais poderiam ser privatizadas, mas deixou claro que sem os recursos da venda dos ativos não há como manter seu programa em pé. “Tá fechado na minha cabeça o seguinte: acelerar a privatização para reduzir a dívida. Mas vai ser a Petrobras, CEF, Correios? É aquilo que tem o maior impacto financeiro para reduzir dívida e liberar recursos para educação, saúde, saneamento, segurança”, disse.

A venda das estatais pode ser total ou parcial a depender da demanda do mercado e da precificação dos ativos e que o objetivo mesmo é captar o máximo de recursos com a privatização para reduzir o endividamento interno do país. Ele lembrou que há cerca de 30 anos, quando foi coordenador de programa de governo do então candidato à presidente Guilherme Afif Domingos, defendeu a privatização, que na época seria capaz de quitar toda dívida externa, que era de cerca de R$ 200 bilhões.

Entre as suas ideias na área de ensino, setor do qual fez fortuna investindo em empresas como Abril Educação (atual Somos Educação) e tornou-se conhecido por ter sido um dos fundadores do Ibmec – está uma forte inclusão de ferramentas digitais em educação básica, participação da iniciativa privada na gestão das escolas públicas, uso de sistemas de ensino para padronizar o aprendizado e voucher para alunos pobres com bom desempenho acadêmico.

Guedes defende uma inversão do sistema de distribuição da arrecadação fiscal, que passaria a irrigar os orçamentos de Estados e municípios, com a desconcentração de poder e recursos da União. “É colocar de cabeça para baixo, mais Brasil e menos Brasília”, diz o economista. Entre os instrumentos para a redistribuição, cita, está o aumento do montante estinado aos fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM).

Com doutorado na Universidade de Chicago, centro do pensamento econômico liberal, o economista tem mantido, desde novembro, longas e frequentes conversas com Bolsonaro, que assumidamente diz não entender de economia. Sócio e presidente do conselho de administração da Bozano Investimentos, é um entusiasta do princípio, tradicionalmente anglosaxão, do governo local. “A governabilidade virá do pacto federativo, pela descentralização”.

Guedes confia que, com uma reforma fiscal que “manda para baixo” recursos para Estados e municípios, Bolsonaro fugiria ao “toma-lá-dá-cá da compra e venda de votos, no varejo” entre os parlamentares e o presidente da República que busca apoio aos projetos do Executivo no Congresso.

A reforma fiscal incluiria mudança na Previdência, privatizações, enxugamento da máquina, com menos concursos públicos, redução no percentual dos tributos cobrados, mas para uma quantidade maior. Guedes sugere uma diminuição de 50 tributos para algo entre oito e dez impostos. “Há um manicômio tributário”, diz Guedes, que tem ao seu lado o economista Marcos Cintra, criador da ideia do Imposto Único. Em sua opinião, a descentralização reduziria a pressão fisiológica de deputados e senadores para levar verbas para seus redutos eleitorais. Apoiariam Bolsonaro em bases mais programáticas, a partir do plano de governo.

O economista diz que já sugeriu ao pré-candidato o enxugamento para apenas oito ministérios. A pasta de assuntos econômicos, por exemplo, poderia reunir Fazenda, Planejamento, entre outros ministérios. Bolsonaro achou pouco e acertaram que o número ficaria em 15. Não faz parte dos planos do ex-capitão do Exército distribuir os ministérios de acordo com a força dos partidos políticos no Congresso, princípio básico do presidencialismo de coalizão desde a redemocratização.

Para evitar a tradicional negociação com as legendas, tendo como base as bancadas eleitas em outubro, Bolsonaro pretende anunciar todos os seus 15 ministros durante a campanha. Eles já seriam os responsáveis pela elaboração do plano de governo em cada área. Para o Ministério da Defesa, Guedes diz que Bolsonaro já teria escolhido o general da reserva Augusto Heleno. O economista cita o empresário Flávio Rocha, das Lojas Riachuelo, como um possível nome para a pasta da Indústria e Comércio (Mdic). Guedes havia sugerido Rocha para vice da chapa presidencial, mas esse nome ainda será definido, e pode levar em conta fragilidades de Bolsonaro como o voto do Nordeste. O coordenador de campanha do deputado também está procurando caminhos para reduzir a alta rejeição que o candidato tem com o eleitorado feminino.

Sem o ministério fatiado entre os partidos políticos, Paulo Guedes aponta como importante para a governabilidade de Bolsonaro a construção de uma aliança de centro-direita – que junte os liberais na economia e os conservadores nos costumes – e a aprovação de um instituto mais rígido de disciplina partidária nas votações no Congresso. Seria o que chama de “cláusula de voto em bloco partidário”, com a obrigação de toda a bancada votar unida, depois do fechamento de questão em torno de uma proposta legislativa. É algo já utilizado, com previsão até de expulsão de parlamentares do partido, mas que ocorre apenas em situações extraordinárias, como foi o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O voto em bloco evitaria as dissidências e valeria para a aprovação de reformas constitucionais e projetos considerados importantes num eventual governo Bolsonaro.

Questionado sobre o papel do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDES) num eventual governo comandado por Bolsonaro, Guedes disse que esse ponto ainda não está totalmente definido, mas que já tem em mente “duas ou três ideias”. Uma das possibilidades estudadas pelo economista é o banco de fomento ajudar na reestruturação das finanças dos Estados enquanto os recursos das privatizações não entram no caixa dos Estados aos moldes do que se pensou para a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae).

“O BNDES ajudado também por alguns bancos privados poderia coordenar programas de saneamento financeiro nos Estados, enquanto esse dinheiro das privatizações não desce para os Estados, através do pacto federativo para apoiar essa reformas, etc. Enquanto isso não acontece, o BNDES pode ter um papel de transformação. Estavam tentando aqui no Rio com a Cedae”, disse o coordenador de campanha de Bolsonaro.

Ele também fez duras críticas às destinações de recursos do banco de fomento como JBS ou às mudanças no perfil do banco a cada governo. “A última capitalização do BNDES foi de R$ 500 milhões. Vamos continuar dando mais R$ 500 milhões para o banco?”, questionou.