Por Angela Bittencourt e Lucinda Pinto – Valor Econômico

Efeito do juro mais baixo para o mercado de capitais é marcante, afirma Molon

O menor comprometimento de renda dos brasileiros com pagamento de dívidas será um gatilho para o aumento do consumo, do crédito e do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018. A parcela do orçamento familiar destinada ao pagamento de dívidas cairá abaixo de 20% ao longo do próximo ano, pela primeira vez desde março de 2011 – primeiro ano do governo Dilma Rousseff.

Quando o ex-presidente Lula encerrou seu segundo mandato e passou o bastão a Dilma, esse indicador estava em 19,5% – bem acima de cerca de 17% observados nos primeiros anos do seu governo. Não à toa, as vendas no varejo registraram no mesmo período expansão vigorosa. Em 2011 e 2012, quase 23% da renda das famílias eram tragados pelo endividamento que deixou como herança para os anos seguintes queda nas vendas do comércio e da indústria e na maior recessão da história do país.

Em julho deste ano, último dado publicado pelo Banco Central (BC), 20,84% do orçamento das famílias pagavam dívidas que já são renegociadas com taxas de juros mais baixas e em tendência de queda. O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC, vislumbra alívio no bolso dos brasileiros com a queda da taxa Selic a 7% em dezembro, seguida de estabilidade prolongada. Maurício Molon, economista-chefe do Santander, que vê o juro em 6,75% em janeiro do ano que vem, também avalia que o menor comprometimento de renda das famílias acabará alavancando o consumo, assim como a redução do custo de capital para as empresas deverá impulsionar os investimentos.

Essa expectativa patrocinou completa revisão do cenário econômico brasileiro pelo Santander. Juro básico no menor nível dos últimos 60 anos ativará mecanismos que devem fortalecer a já evidente reação do consumo e ajudarão a posicionar as empresas que hoje resistem mais que as famílias a tomar crédito no sistema bancário. A expansão mais consistente do PIB será consequência, aponta Molon em relatório distribuído a investidores na terça-feira.

O Santander revisou sua projeção para o PIB, de 0,5% para 0,8% este ano e de 2,5% para 3,2% no ano que vem. No cenário anterior, a expectativa era a de que a Selic cairia para 7,5% até o fim deste ano e permaneceria nesse patamar até o encerramento de 2018. As surpresas recentes, tanto de inflação quanto de atividade, levaram o economista a reavaliar suas estimativas.

Molon enfatiza o efeito que o juro mais baixo deve ter sobre o crédito que, segundo ele, já tem aparecido em alguns indicadores antecedentes. “Há sinais de crescimento vindos tanto da variação do crédito livre quanto da queda da inadimplência e do comprometimento de renda das famílias”, explica. O crédito para pessoa jurídica ainda não mostrou a mesma recuperação, mas tem exibido queda de inadimplência e também um recuo dos juros ainda mais forte do que no financiamento para pessoa física. “O crédito terá um papel importante na retomada do crescimento”, afirma.

A inflação contida e a taxa básica no patamar mais baixo em décadas deverão provocar transformações importantes no sistema financeiro e no mercado de capitais com efeitos imediatos sobre o crescimento da economia. O economista do Santander afirma que os juros baixos proporcionarão espaço para aumento do financiamento direto (via novas emissões de ações e dívidas) para as grandes empresas, maior acesso a recursos bancários para as pequenas e médias e taxas mais baixas para consumidores, com oportunidade de desencadear um novo ciclo de expansão das modalidades de crédito de longo prazo, como o habitacional. Mudanças que serão percebidas de forma mais efetiva no mercado como um todo já a partir do segundo semestre de 2018.

“O efeito para o mercado de capitais é marcante. Já foram feitos 12 IPOs [oferta inicial de ações] e 7 follow-ons [ofertas subsequentes], num ano em que o juro foi de, em média, 10%. Imagine quando o juro estiver mais baixo”, observa. “É um ambiente que torna o mercado mais normal: as grandes empresas podem recorrer ao mercado de capitais para se financiar, enquanto os bancos vão reforçar o financiamento para pequenas e médias.”

Para o economista-chefe do UBS Brasil, Tony Volpon, as condições financeiras atuais abrem espaço para uma “recuperação econômica acelerada”. O UBS trabalha com um crescimento do PIB de 3,1% em 2018. Para ele, a Selic não deve cair abaixo de 7%. Além de expectativas mais altas de crescimento, o risco eleitoral e a perspectiva de aperto monetário por grandes BCs inspiram prudência. “As condições financeiras atuais e esperadas são favoráveis ao crescimento, que deve se acelerar à medida que investidores se tornem mais confortáveis com os resultados prováveis da eleição do próximo ano.”

O ajuste fiscal é condição necessária para que esses avanços sejam prolongados, de preferência permanentes, na economia brasileira. Molon entende que no curto prazo o “fiscal” é menos relevante. No relatório em que descreve a situação econômica do Brasil nas décadas de 50 e 60, quando o juro praticado era comparável ao que se espera para a Selic ao final do ciclo de flexibilização monetária, Molon pondera que o desequilíbrio fiscal é de semelhança desconfortável, que necessita ser superada para viabilizar um cenário de juros civilizados para o longo prazo no país.

“A década de 50 marca o início de uma relação simbiótica entre inflação e déficit público, que predominaria por várias décadas. O déficit fiscal crescentemente financiado por expansão monetária colocava pressão adicional sobre os preços enquanto as surpresas inflacionárias aliviavam o desequilíbrio orçamentário ao elevar as receitas nominais em ritmo mais rápido que as despesas. Atualmente, mecanismos institucionais de financiamento do déficit público impedem o financiamento inflacionário do déficit.”