Valor Econômico
16/03/2020

Por Taís Hirata

Em ano eleitoral, BRK sofre com cortes de tarifa em algumas concessões e Iguá tenta incluir cláusulas de arbitragem nos contratos

Enquanto o novo marco legal do saneamento segue travado no Congresso Nacional, companhias privadas do setor tentam driblar as dezenas disputas judiciais com municípios e órgãos de controle – fenômeno que, segundo executivos, se agrava em anos eleitorais, como 2020.

A BRK Ambiental (ex- Odebrecht Ambiental) vive uma maré de embates neste início de ano. Hoje, há ao menos três conflitos em aberto da empresa.

Em Palmas (TO), vereadores aprovaram recentemente uma lei determinando a redução dos valores cobrados pela empresa. Em Mauá, na região metropolitana de São Paulo, além do corte na tarifa, o prefeito fez ameaças públicas de “rever” o contrato da companhia. Há ainda o caso de Mairinque (SP), onde a prefeitura prepara uma nova concorrência para substituir a BRK, diante da possibilidade de anulação da atual concessão, após questionamentos judiciais do Ministério Público de São Paulo.

A ameaça de prefeitos e as brigas na Justiça já se tornaram parte do dia a dia para as empresas do setor, afirma a presidente da empresa, Teresa Vernaglia. “É uma energia que gastamos defendendo os contratos, que poderia estar sendo usada em novos investimentos”, diz.

A executiva afirma que, em casos de descumprimentos do contrato, a empresa irá “até o fim” para garantir que os termos sejam seguidos. No caso de Mauá, onde a empresa cuida do esgotamento sanitário, ela afirma que a companhia já está próxima de chegar a um acordo com a prefeitura e a Sabesp, que deverá assumir a operação de água no município paulista.

 A insegurança jurídica é uma das principais reclamações no setor de saneamento – e não é exclusividade da BRK.

A Aegea, outro grande grupo do setor, teve que rescindir um contrato de aquisição da operação de Guarulhos, devido a desentendimentos com a prefeitura – que, ao fim, acabou fechando com a estatal Sabesp.

A companhia também passou todo o ano de 2018 sem conseguir cobrar tarifa mínima de seus usuários de Campo Grande (MS) devido a um decreto municipal – à época, a concessionária, Águas de Guariroba, representava cerca de um quarto de sua receita total. A empresa diz que busca manter constante diálogo com todos os atores envolvidos na gestão regulatória.

A Iguá Saneamento (ex- CAB Ambiental), que herdou dezenas de processos judiciais, tem negociado com os municípios a inclusão de cláusulas de arbitragem nos contratos, em uma tentativa de se blindar da insegurança jurídica do setor, segundo o presidente da companhia, Gustavo Guimarães.

“As disputas são comuns, é do jogo. A cada dois anos, o ciclo eleitoral cria a possibilidade de interferência política”, diz o executivo. “Temos várias discussões em andamento para incluir a arbitragem, mas não é um processo tão rápido. Avaliamos que é o caminho mais ágil e mais razoável para resolver as questões.”

A empresa já conseguiu incluir uma cláusula do gênero em sua concessão de Cuiabá (MT), uma de suas principais operações, na qual enfrenta diversas ações com possibilidade de perda e impacto em suas receitas.

No entanto, nem tudo pode ser levado a um tribunal arbitral, afirma. “Nem sempre a insegurança jurídica é em relação ao contrato em si. Há todo um ambiente regulatório, com diversos atores, como Ministério Público, tribunais de contas, legisladores, Procon”, diz.

Os embates políticos afetam até mesmo as companhias estaduais. A Sanepar, estatal do Paraná, passou o ano de 2019 em conflito com o Tribunal de Contas do Estado para conseguir aplicar seu reajuste tarifário. A Copasa, de Minas Gerais, também têm sofrido diversas ameaças de rescisões contratuais.

Para dois advogados que atuam no setor, que pediram para não serem identificados, a instabilidade política é praticamente regra em concessões de água e esgoto hoje. Os casos mais comuns envolvem a tentativa de reduzir tarifas ou incluir novos investimentos sem qualquer reequilíbrio da concessão. No caso das empresas públicas, há também muitas queixas dos prefeitos por falta de investimentos ou índices de qualidade não atendidos, diz um deles.

Para a presidente da BRK, os embates mostram a relevância da aprovação do novo marco do setor, que traz medidas para dar mais segurança ao ambiente regulatório.

Guimarães, da Iguá, também vê um avanço no cenário com as novas regras, como a definição da Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão regulador federal. “É parte da solução, mas não será imediata”, diz ele.