Por Daniel Rittner e Fernanda Pires

17/12/2018 – 05:00

Os desafios enfrentados pelo governo Michel Temer para destravar as concessões na área de infraestrutura deixaram um “presente” ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, que promete mais investimentos privados no setor.

A equipe de Temer encheu a prateleira de projetos avançados de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Não houve tempo suficiente para executar tudo o que havia sido planejado inicialmente. Mas boa parte do caminho necessário – discussão de modelagem com empresas interessadas, elaboração de estudos, realização de audiência pública e análise do Tribunal de Contas da União (TCU) – já foi percorrido.

Isso permitirá ao novo governo começar voando. Logo em março, Bolsonaro poderá bater o martelo em três grandes leilões herdados da atual gestão: 12 aeroportos, quatro terminais portuários e um trecho de 1.537 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul entre Porto Nacional (TO) e Estrela D’Oeste (SP). Só esses projetos devem resultar em investimentos de R$ 6,4 bilhões ao longo dos contratos.

Esses leilões são considerados testes importantes. Pela primeira vez serão licitados blocos de aeroportos, misturando ativos lucrativos e deficitários em três lotes diferentes, em vez de ofertas individuais. No caso da Norte-Sul, a modelagem exigiu longas discussões sobre o direito de passagem da futura concessionária na malha de outras operadoras.

Há grande expectativa em torno do que vem depois. A escolha do engenheiro Tarcísio Gomes de Freitas como futuro ministro da Infraestrutura foi celebrada pelo mercado como sinal de que os planos de novas concessões serão mantidos e acelerados. Como secretário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Freitas foi um dos principais interlocutores do Palácio do Planalto com o setor privado nos últimos dois anos e meio. Ele é tido como especialista bastante estudioso, sem dogmas, criativo nas soluções técnicas e aberto ao capital externo.

“O que virá depois é a continuidade do que está dando certo, o PPI”, assegurou Freitas na semana passada, em São Paulo, onde falou para uma plateia repleta de assessores financeiros e jurídicos que se movimentam para atender potenciais interessados nos próximos leilões de infraestrutura. “Existem mais de 80 projetos em pleno desenvolvimento, que vão virar leilões muito em breve.”

Ao fim dos próximos quatro anos, toda a rede da Infraero passará para a iniciativa privada e a estatal será liquidada. O desenho preliminar prevê seis blocos regionais divididos em duas novas rodadas de concessões. Na primeira, em 2020, a ideia é ter três blocos: um no Sul (com Curitiba à frente), outro no Norte (puxado por Manaus) e o terceiro na região central (tendo Goiânia como destaque).

Na segunda rodada, em 2021 ou 2022, devem estar as duas “joias da coroa” liderando cada bloco: Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ). O último lote teria Belém e os outros cinco aeroportos da Infraero no Pará.

Quem acompanha o mercado avalia que o ambiente é favorável aos operadores já estabelecidos no Brasil e que têm amplo domínio de implantação de projetos – sabem onde estão os desafios e as oportunidades.

Isso vale principalmente em áreas como rodovias e mobilidade urbana, segmentos cujos operadores já dominam os riscos de implantação. “Operadores internacionais ainda sem presença no Brasil e investidores financeiros deverão ser seletivos, mirando negócios com riscos mitigados e em parceria com construtores locais”, observa o consultor Paulo Cesena, especialista em infraestrutura.

Além da necessidade de garantir competitividade nos leilões, dominar as questões de investimento do projeto é cada vez mais relevante, pois os novos contratos de concessão trazem regras de reequilíbrio automático em favor do poder concedente no caso de atraso nas obras, independentemente de quem tenha dado causa. A concessão de 473,4 quilômetros da Rodovia de Integração do Sul (RIS) já foi leiloada assim em novembro. Essa regra também entrou no edital da NorteSul.

Alguns dos novos contratos dão ainda à União o direito de rescindir de forma amigável o contrato na eventualidade de não obtenção, pelo investidor, do financiamento de longo prazo. Essa cláusula não havia antes. A minuta da Ferrogrão, projeto de ferrovia ligando Sinop (MT) a Miritituba (PA), já tem essa previsão. “Não ter um plano bem elaborado de implantação afasta credores, arriscando a continuidade do projeto”, afirma Cesena.

Na área de rodovias, a RIS foi o único leilão concretizado pela gestão Temer. As discussões no tribunal de contas se estenderam por quase um ano. O aval do órgão de controle sinaliza que novos editais devem ter uma análise mais rápida. A BR-364/365, entre Jataí (GO) e Uberlândia (MG), já foi liberada – embora ajustes sejam necessários. Outros leilões devem incluir a BR-364 (Rondônia) e a BR-101 (Santa Catarina).

O governo Bolsonaro terá pela frente, ainda, a relicitação das primeiras estradas federais privatizadas nos anos 1990: as rodovias Presidente Dutra (Rio-São Paulo), BR-040 (Rio-Juiz de Fora) e BR-116 (Rio-Teresópolis). Os estudos estão sendo feitos em uma parceria da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) com o International Finance Corporation – um braço do Banco Mundial.

No fim de novembro, em evento com executivos da construção, o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, falou em adotar cláusulas para compensar as empresas por variações cambiais nos contratos de infraestrutura.

Mesmo sem dar detalhes, a declaração vai na linha desejada há anos pelas empresas. Colômbia e Peru são exemplos de países que já têm “seguros cambiais” nas concessões. “Foi como música para os nossos ouvidos”, elogiou o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), Evaristo Pinheiro.

Outro segmento em que estão depositadas grandes expectativas é o de ferrovias. Esperava-se a renovação antecipada de pelo menos algumas das concessões que vencem apenas na próxima década. O cronograma, no entanto, “escorregou” para 2019.

Em troca de mais 30 anos de contrato, a Rumo promete investir R$ 6,9 bilhões na revitalização e duplicação de trechos da Malha Paulista. É o caso mais adiantado e já se encontra em avaliação no TCU. Em uma etapa anterior, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) já fez audiências públicas para debater as extensões contratuais das duas ferrovias da Vale – as estradas de ferro Carajás e Vitória-Minas.

A esperança do novo ministro da Infraestrutura, que esteve pessoalmente envolvido com a modelagem, é bater o martelo na construção de 383 quilômetros da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Mato Grosso e Goiás, como contrapartida pela renovação da Vale.