Por Rodrigo Rocha – Valor Econômico

28/11/2018 – 05:00

Os investidores financeiros – gestoras, fundos de investimento, fundos de pensão – tem papel cada vez mais relevante na infraestrutura, apostando em energia, rodovias, portos, entre outros negócios. O saneamento, entretanto, é deixado de lado pela maior parte desse grupo, mesmo com grande espaço para crescimento. Quem investe, destaca a pulverização, as questões regulatórias e o risco elevado como principais problemas.

O saneamento, diferentemente de outros segmentos da infraestrutura, não tem regulação federal, uma vez que essa responsabilidade é delegada pela Constituição aos municípios. Essa estrutura pulveriza o setor e as oportunidades de negócio, além de aumentar riscos e possibilidades de ingerência.

Rodolfo Spielmann, que comanda as operações do fundo de pensão canadense CPPIB na América Latina, defende duas questões estruturais que precisam ser concretizadas para a entrada de investidores financeiros no setor. “São dois pontos principais, primeiro a escala, teria que ser um município muito grande, ou vários municípios. Segundo teria de ser um processo transparente, as concessões com regras claras, ambiente regulatório a prova de intervenção.”

A baixa presença da iniciativa privada não significa que há pouca avaliação dos investidores

Atualmente, cerca de 6% das operações de saneamento no Brasil têm presença da iniciativa privada, com a maioria dos municípios mantendo contratos com as companhias estaduais. A regulação das tarifas na maior parte das vezes é feita por agências que ficam sob a guarda dos mesmos governos, criando um risco de credibilidade e influência política.

“Nós não temos essa capacidade de gerenciar, comprar ativos menores, para transformar em algo maior. Busca-se ativos maiores, com maior previsibilidade, uma concessão federal, com ambiente regulatório”, diz Spielmann.

Associação que representa as concessionárias privadas de saneamento, a Abcon também vê a regulação mais estável como base para atração dos fundos. “É um setor que para ser seguro exige ambiente regulatório estável, não se pode estar preso ao negócio sem saber o que esperar. Percebemos interesse dos fundos, eles são os principais controladores do mercado”, diz Percy Soares Neto, diretor de relações institucionais da Abcon.

Mais do que os operadores, os fundos levam em conta a questão do retorno em relação ao risco do projeto. E nas condições atuais, o risco associado à pulverização dos negócios e da regulação não é compensado pelo retorno financeiro. Ainda mais em comparação com setores com maior previsibilidade, como energia.

Bruno Arruda, analista do Bradesco BBI, cita como exemplo, os leilões de projetos de transmissão de energia, cuja base de cálculo da receita, a periodicidade das revisões e parte significativa dos parâmetros de interferência é conhecido antes da disputa. Além do tamanho de alguns projetos ser bem maior do que a maioria dos negócios disponíveis para saneamento.

“Teria que ter um retorno muito mais alto porque o negócio tem muito mais risco”, afirma.

Outro exemplo citado pelo analista é a avaliação do mercado do saneamento em relação a outros setores regulados. Um dos principais indicadores usados pelos investidores para avaliação é o múltiplo EV/RAB, sendo EV o “enterprise value”, calculado pelo valor de mercado da empresa somado à dívida líquida. O RAB é sigla em inglês para base de ativos regulatórios.

Arruda diz que as empresas de energia negociadas na bolsa de valores tem múltiplos EV/RAB que variam de 1,2 vez a 2 vezes, dependendo da qualidade do negócio. Em saneamento, o indicador fica entre 0,6 vez e 0,9 vez, ou seja, o mercado avalia que a empresa vale menos do que toda a sua base de ativos somada.

E a baixa presença não significa que há pouca avaliação dos investidores. A gestora de participações Vinci Partners avalia o saneamento há muitos anos, mas não tem encontrado oportunidades. “Conseguimos fazer muito pouco, diferente de energia, que estamos há duas décadas”, diz José Guilherme Souza, sócio da Vinci responsável pela área de Infraestrutura.

“Temos uma área que avalia energia elétrica, o setor de transporte, aeroportos e saneamento, e vemos entraves nessa parte mais regulatória. Acho que dada a carência do setor, tem espaço para muita gente boa colocar investir.”

Souza lembra que já há um importante investidor financeiro no setor de saneamento, a canadense Brookfield, que adquiriu no ano passado a Odebrecht Ambiental, principal operadora privada do setor no país. Ele destaca, no entanto, que a aposta foi mais ousada em termos de risco do que a maioria dos fundos está disposta a fazer.

Para trazer os elementos que faltam à atratividade do setor, as principais alternativas citadas são a Medida Provisória nº 844, que altera o marco regulatório do setor de saneamento, e os estudos organizados pelo BNDES para uma possível privatização das empresas estaduais de saneamento.