Por Sergio Lamucci – Valor Econômico

A muito custo, o Brasil corrigiu alguns dos graves desequilíbrios que contribuíram para a grave crise econômica iniciada no segundo trimestre de 2014, engatando enfim uma recuperação gradual da atividade. A inflação caiu com força, as contas externas passaram por um forte ajuste e a Selic caminha para ficar um bom tempo em níveis baixos para padrões brasileiros, devido à recessão cavalar e à política monetária do Banco Central (BC), que ancorou as expectativas inflacionárias.

O quadro fiscal, porém, continua delicado, e um ajuste estrutural das contas públicas permanece distante. A retomada da economia decerto vai melhorar a arrecadação e os juros menores vão reduzir as despesas financeiras, mas isso é insuficiente para enfrentar a deterioração fiscal de longo prazo. Sem medidas como uma ambiciosa reforma da Previdência e outras iniciativas que reduzam a rigidez dos gastos obrigatórios, o endividamento público seguirá em trajetória explosiva e o teto de despesas da União será rompido. Além disso, os juros não se sustentarão em níveis baixos.

Essa desagradável aritmética fiscal, contudo, está hoje em segundo plano. A solidez das contas externas e o cenário externo benigno têm levado os investidores a se concentrar nas notícias positivas sobre a economia brasileira, como a retomada que, na visão dos mais otimistas, pode fazer o PIB crescer 3% ou mais em 2018. O consenso de mercado, por ora, aponta um avanço de 2,5%, um ritmo que obviamente não é exuberante, mas não chega a ser ruim.

Ajuste estrutural das contas públicas permanece distante Com inflação domada, juros baixos e a melhora do mercado de trabalho, um candidato visto como favorável à agenda de reformas e à austeridade fiscal teria boas chances de vencer as eleições do ano que vem. Nessa hipótese, a dívida bruta, que saltou de 51,5% do PIB no fim de 2013 para quase 74% do PIB, seguiria em alta, mas se estabilizaria em algum momento não tão longínquo.

A história de uma recuperação um pouco mais firme, puxada pelo consumo das famílias, parece factível. Hoje em 8,25% ao ano, a Selic deve encerrar 2017 em 7%, podendo cair um pouco mais no começo do ano que vem. Os juros ficariam então por um bom tempo num terreno que claramente estimula a atividade. Nas contas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), se a Selic ficar em 7% até o fim de 2018, as taxas dos empréstimos para as pessoas físicas, atualmente em 36% ao ano, podem cair até 7 pontos percentuais.

O ponto é que, mesmo com a recuperação da atividade, o desemprego deverá chegar ao período das eleições em nível ainda elevado. Na visão do Ibre, a taxa de desocupação no quarto trimestre do ano que vem ficará em 11,5%, não muito menos que os 11,9% esperados para o mesmo período deste ano. Nos três meses terminados em agosto, a taxa ficou em 12,6%, o equivalente a 13,1 milhões de desempregados. “Quedas mais consistentes do desemprego, capazes de produzir uma reversão até níveis observados no período pré-crise, dependerão de crescimento mais expressivo da atividade”, escrevem os economistas do Ibre Bruno Ottoni Eloy Vaz e Tiago Cabral Barreira. Em 2013, a desocupação média foi de 7,1%.

Como se vê, o mercado de trabalho vai melhorar, mas a dúvida é saber em que medida isso será suficiente para tornar competitivo um candidato comprometido com o equilíbrio das contas públicas. Nas eleições de 2018, o apelo de discursos que desprezem ou subestimem o risco fiscal pode ser bem maior do que o refletido atualmente nos preços dos ativos brasileiros.

Em relatório sobre riscos enfrentados pelos mercados emergentes, a consultoria Capital Economics cita as ameaças que podem surgir justamente do quadro político interno em várias dessas economias. Em 2018, haverá eleições em países como Chile, Colômbia, Rússia, México e Brasil, lembra a Capital. O economista Neil Shearing lembra que a fraqueza econômica dos últimos anos criou “um campo fértil para populistas”, apontando os maiores riscos de uma guinada nessa direção no México e no Brasil. Em nenhum desses dois casos, diz ele, um resultado como esse está “remotamente” embutido nos preços.

A resistência à reforma da Previdência segue elevada, e as condições políticas para aprová-la neste ano são difíceis. No começo do mês, a consultoria Arko Advice fez uma pesquisa sobre o assunto com 212 deputados. Quase 80% dos ouvidos disseram não acreditar que a medida passará no governo de Michel Temer.

O discurso de que a Previdência Social não é um problema urgente continua a ter apelo, como mostra o inacreditável relatório final da CPI da Previdência. “Tecnicamente, é possível afirmar com convicção que inexiste déficit da Previdência Social ou da Seguridade Social”, diz o documento da CPI.

Dado o envelhecimento acelerado da população, a demora em aprovar a reforma vai exigir mudanças mais duras num futuro próximo, ou os crescentes gastos com aposentadorias vão absorver fatias cada vez maiores do Orçamento. De janeiro a agosto deste ano, por exemplo, as despesas previdenciárias e com os benefícios de prestação continuada (BPC, voltados para pessoas com deficiência e idosos de baixa renda) consumiram 47,1% dos gastos não financeiros do governo federal; no mesmo período do ano passado, esse número ficou em 44,3%.

Se não atacar a rigidez dos gastos obrigatórios, o Brasil continuará a ser uma aberração orçamentária, como deixa claro um relatório da Moody’s Investors Service divulgado na semana passada. De 2010 a 2016, o governo federal destinou 55% de seus gastos totais para transferências (aposentadorias, programas sociais e subsídios), 25% para o pagamento de juros e menos de 1% para investimentos, segundo a agência de classificação de risco.

A recuperação incipiente da economia e o ambiente internacional tranquilo contribuem para que se relativize a situação fiscal do país. Essa calmaria, contudo, pode ruir se houver uma piora no quadro externo, hoje fora do radar, ou candidatos populistas despontarem como favoritos no ano que vem. A escalada da dívida bruta e os grandes rombos fiscais voltariam aos holofotes, ainda que a solidez das contas externas ajude a proteger a economia. Nesse cenário, as perspectivas favoráveis que hoje se desenham para a economia podem se turvar, e o país ser obrigado a fazer um ajuste duro, em condições bem menos benignas que as atuais.