Por Sergio Lamucci – Valor Econômico

A economia brasileira teve um desempenho fraco no segundo trimestre, influenciada especialmente pela greve dos caminhoneiros, mas a perda de dinamismo da atividade antecede a paralisação do fim de maio. O Produto Interno Bruto (PIB) mal saiu do lugar nos últimos três trimestres, crescendo a uma média de apenas 0,1% em relação aos três meses anteriores, apesar do nível baixo dos juros básicos para padrões brasileiros.

Além das incertezas relacionadas às eleições, uma combinação de fatores contribui para a lentidão da retomada, como as taxas muito elevadas cobradas em empréstimos, o fato de que muitas empresas e famílias ainda precisam reduzir o nível de endividamento e a fraqueza do mercado de trabalho, com desemprego alto e criação de vagas de baixa qualidade.

No segundo trimestre, o PIB cresceu 0,2% na comparação com o primeiro, feito o ajuste sazonal. Diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos diz que a composição foi ainda mais fraca do que a sugerida por esse número. Ele destaca a desaceleração da chamada demanda doméstica final, o conjunto formado por investimento, consumo das famílias e consumo do governo, excluindo a variação de estoques. Segundo Ramos, essa medida da demanda encolheu 0,2% no segundo trimestre, um desempenho pior que a alta de 0,3% no quarto trimestre de 2017 e de 0,2% no primeiro trimestre deste ano. No período de abril a junho, o resultado ruim se deveu especialmente ao investimento, que recuou 1,8% na comparação com os três primeiros meses do ano. O consumo das famílias cresceu 0,1%.

Um número próximo de zero para o PIB no no segundo trimestre já era esperado pelos analistas, dado o efeito negativo da greve dos caminhoneiros. O Itaú Unibanco, por exemplo, estima que a paralisação tirou 0,3 ponto percentual do PIB no período de abril a junho. Uma questão decepcionante é que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revisou para baixo o resultado do PIB dos dois trimestres anteriores. A variação do quarto trimestre de 2017 caiu de 0,1% para estabilidade e, no caso do primeiro trimestre deste ano, houve redução de 0,4% para 0,1%. A atividade vinha ainda mais fraca do que se imaginava.

“A economia brasileira está virtualmente estagnada desde o terceiro trimestre de 2017”, afirma Ramos. Segundo ele, durante os últimos 20 trimestres, a média de variação do PIB foi negativa em 0,25%, Em apenas um deles o crescimento excedeu 1%. Isso ocorreu no primeiro trimestre de 2017, quando a expansão alcançou 1,05% sobre os três meses anteriores, devido à supersafra.

Cálculos do economista-sênior da LCA Consultores, Bráulio Borges, evidenciam a lentidão da atual retomada. Entre o primeiro trimestre de 2017 e o segundo trimestre de 2018, a alta acumulada pelo PIB na recuperação em curso é de apenas 2,5%, bem abaixo das taxas em torno de 7% dos seis trimestres seguintes à saída das recessões de 1981-1983 e de 1989-1992. Segundo a LCA, foram retrações “profundas e duradouras” como a registrada entre o segundo trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016.

Pela oferta, o pior desempenho no segundo trimestre ficou com a indústria, que recuou 0,6% em relação ao primeiro. A indústria de transformação e a construção puxaram o número para baixo – os dois setores caíram 0,8%. A agropecuária ficou estável, depois de subir 1,3% no primeiro trimestre. O resultado menos pior ficou com serviços, com alta de 0,3%, impulsionado pelos segmentos de informação e comunicação, atividades financeiras e atividades imobiliárias.

Para Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), a recusa dos políticos em resolver o problema fiscal e os efeitos do excesso de intervencionismo do governo entre 2006 e 2014 explicam a lentidão da retomada. Pessôa destaca a fraqueza do investimento, que recuou 30% no período entre o quarto trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2017, e mostra um desempenho muito fraco pós-recessão.

Com a divulgação do resultado do PIB de abril a junho, o Ibre reduziu as projeções para a expansão da economia em 2018 de 1,7% para 1,5%. A previsão para a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) foi cortada de 3,9% para 3,4%. No caso do consumo das famílias, a estimativa caiu de 2,2% para 2%. Ramos também baixou a sua estimativa para o crescimento do PIB de 2018, de 1,5% para 1,2%.

Na visão do pesquisador do Ibre, o investimento estaria mais forte se a reforma da Previdência tivesse sido aprovada e as incertezas políticas fossem menores. O problema é que, depois da denúncia da JBS, o governo do presidente Michel Temer se enfraqueceu e perdeu a capacidade de liderar a agenda política, o que se agravou mais depois da greve dos caminhoneiros.

Pessôa diz que, pelo menos desde 2012, o regime fiscal entrou em trajetória insustentável, com os gastos públicos crescendo mais do que as receitas. Esse problema precisa ser arbitrado pelo Congresso, mas os políticos têm se recusado a fazê-lo, segundo ele. Não cortam gastos, o que deveria ser a opção prioritária, nem aumentam impostos.

Além disso, Pessôa diz que o intervencionismo excessivo, em especial a partir de 2009, cobra o seu preço. Osefeitos ainda estão sendo digeridos, retardando a retomada. Houve um boom de investimentos em muitas atividades não rentáveis, como no caso do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), na refinaria de Abreu e Lima e nos estaleiros, segundo Pessôa, também sócio da consultoria de investimento Reliance. No caso da indústria automotiva, o sobreinvestimento levou a uma imensa capacidade ociosa.

Pessôa diz que os “excessos do intervencionismo têm uma dimensão real”, induzindo a uma má alocação do investimento, e uma “dimensão financeira”, levando a uma crise de endividamento de muitas empresas. Além disso, Pessôa afirma que muitas famílias entraram na crise com muitos débitos.

A expectativa para a atividade na segunda metade do ano não é animadora, ainda que a aposta dominante é de que o PIB terá um crescimento mais forte no terceiro trimestre. O ponto é que isso se deve à base fraca de comparação do trimestre anterior, como dizem os economistas do Itaú Unibanco. Eles esperam uma alta de 0,6% em relação aos três meses anteriores, enquanto o Ibre aposta em 0,9%.

Para o Itaú Unibanco, “o crescimento subjacente da atividade econômica segue perdendo força”, avaliação que se baseia na “evolução recente dos níveis dos índices de confiança, do mercado de trabalho e da difusão dos principais indicadores mensais”. O banco projeta um crescimento de 1,3% neste ano.

Os economistas do Banco Safra chamam a atenção para “o aperto considerável que vem ocorrendo nas condições financeiras, o que pode se refletir em uma diminuição ainda maior do apetite para os investimentos e para o consumo em geral”. Nas últimas semanas, o câmbio se desvalorizou com força, o risco Brasil subiu e houve alta dos juros futuros. “Com isso, nosso índice de condições financeiras aprofundou-se ainda mais no território contracionista, sugerindo um crescimento do PIB abaixo de 1% caso mantida a situação atual”. Por enquanto, o Safra projeta expansão de 1,5%, mas não descarta um número menor.