Maior parte do gasto engessado cobre salários, aposentadorias e pensões

Mariana Carneiro , Natália Cancian e Flavia Lima – Folha de São Paulo

13.mar.2019 às 2h00

A proposta do ministro Paulo Guedes de desvincular R$ 1,5 trilhão do Orçamento federal tem efeitos limitados sobre a maior parte dos gastos.

A fatia mais relevante das despesas federais recai sobre obrigações que, independentemente da proposta de desvinculação total do governo, são inadiáveis, como os gastos com a Previdência e o pagamento a servidores do Estado.

Sobre os gastos restantes, passíveis de desvinculação, como os destinados à saúde e educação, há preocupação sobre os efeitos que a mudança teria sobre as áreas sociais.

“Se o Orçamento não destinar recursos para Previdência, ensino e saúde, isso não exime o governo de ter que pagar aposentadorias e salários, inclusive dos professores e médicos”, diz José Roberto Afonso, professor do IDP (Instituto de Direito Público).

Para ele, é preciso resolver a febre e não sumir com o termômetro. “Certamente, o Ministro da Economia sabe disso tudo e deve propor uma PEC que atacará a infecção fiscal.”

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro Paulo Guedes (Economia) disse que vai acelerar o projeto de desvinculação total do Orçamento, por meio de uma proposta de emenda constitucional que desobrigaria o governo a destinar a receita com gastos fixados em lei.

O objetivo seria reduzir despesas obrigatórias, que consomem cerca de 90% do Orçamento federal e engessam a administração —assim como nos estados e municípios.

Uma análise das despesas públicas, porém, indica que a desvinculação não desobrigaria o Estado do pagamento da maior parte de seus gastos.

No ano passado, o governo federal gastou com Previdência (de trabalhadores da iniciativa privada, servidores e de militares) cerca de R$ 705 bilhões. Outros R$ 317 bilhões foram usados no pagamento do funcionalismo. Já as despesas obrigatórias com saúde e educação consumiram um cerca de R$ 181 bilhões —apenas um quarto do valor despendido com a Previdência.

Nos estados, o pagamento de aposentadorias também é um dos itens mais relevantes do Orçamento e, segundo o economista Raul Velloso, responde por 20% a 30% dos gastos dos governadores.

Os números mostram, segundo economistas, que apesar do interesse do governo em destravar o Orçamento, a prioridade deve ser a reforma do sistema de aposentadorias.

“A proposta de desvincular jamais substituirá a reforma da Previdência”, diz Mônica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute, em Washington.

A economista vê a proposta de desvinculação orçamentária como uma estratégia política legítima para atrair o apoio de governadores, que teriam mais autonomia em gerir os gastos de seus estados.

“Em princípio, desvincular é bom porque traz mais flexibilidade. Mas se desvincular significa fazer cortes em áreas como saúde e educação é preciso ter cuidado”, diz.

A fala de Guedes foi interpretada por alguns setores como um sinal verde para que governadores possam reduzir despesas com saúde e educação, alocando esses recursos em outras necessidades.

A legislação determina que os estados reservem 12% da arrecadação com saúde e 25% da receita líquida com educação.

Segundo Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, a saúde pode ser prejudicada, pois boa parte dos serviços são pagos por meio da contratação de OSs (Organizações Sociais) de saúde.

“Na educação, a desvinculação tende a ter efeitos menores porque a maioria dos profissionais é concursado e a desvinculação do piso não tem automaticamente o condão de desmontar as escolas e o pagamento dos salários, porque essa despesa segue obrigatória”, afirmou.

Naércio Menezes, professor da cátedra Ruth Cardoso, do Insper, diz que, em tese, a proposta pode ser boa justamente por dar mais flexibilidade para estados e municípios.

O problema, diz ele, é que pode ser arriscado deixar nas mãos dos governos regionais ou da população a cobrança de investimentos em educação e saúde. “Basta notar que os gastos com saneamento, que não são obrigatórios, deixam muito a desejar”, diz.

Para o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que parece um problema pode vir a ser ganho, desde que a musculatura política da saúde responda aos desafios do SUS.

Menezes, do Insper, ressalta que, no caso da União, o limite mínimo dos gastos com saúde e educação e a sua correção pela inflação estão previstos na regra que estabelece um teto para os gastos. Logo, mexer com isso exigiria alterar a regulamentação.