Por Silvia Rosa – Valor Econômico

04/07/2018 – 05:00

As emissões de debêntures incentivadas de infraestrutura já alcançam R$ 10,5 bilhões em 2018, maior volume para um ano desde que foram feitas as primeiras operações, em 2012, no âmbito da Lei 12.431, que regula o instrumento. O total supera ainda os R$ 9,083 bilhões levantados ao longo de 2017. Somente na semana passada, a Engie Brasil Energia captou R$ 1,8 bilhão e a Taesa, R$ 525 milhões. E há pelo menos mais R$ 515 milhões em ofertas em andamento.

O crescimento do mercado é sustentado pela retomada do interesse dos investidores pessoas físicas; pela mudança da política de investimento do BNDES, que destinará R$ 5 bilhões para fundos de infraestrutura; e pelo crescimento da carteira de projetos de infraestrutura. A demanda dos investidores cresceu como reflexo do aumento das taxas pagas pelos títulos públicos atrelados ao IPCA (NTN-B), de prazos mais longos, que servem de referência para o retorno oferecido por essas debêntures.

Do total captado neste ano, até maio, R$ 6,3 bilhões (60%) foram destinados para projetos novos de infraestrutura e o restante, para o investimento de empresas já em operação. O setor de energia respondeu por 69% desse volume, segundo dados do Ministério da Fazenda. “Temos algo em torno de dez transações que devem sair neste ano, que somam mais R$ 3 bilhões, muito concentradas no setor de energia”, afirma Guilherme Silveira, superintendente-executivo da área de mercado de capitais de dívida do Santander.

Há um total de 466 projetos com portarias já aprovadas aguardando emissão de debêntures via Lei 12.431, cujos investimentos somam R$ 241,678 bilhões.

Com a maior procura por parte dos investidores, o custo de emissão dos papéis também caiu. Neste ano, até maio, a taxa de juros média paga nas emissões de debêntures incentivadas de infraestrutura estava em 6% mais a variação do IPCA, abaixo dos 6,9% mais o índice de preços registrados no mesmo período de 2017.

A substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), em 6,6% ao ano, pela TLP (Taxa de Longo Prazo), que em junho estava em 7,04%, em contratos de financiamento de projetos de infraestrutura pelo BNDES tornou as captações de recursos via mercado de capitais mais competitivas em relação ao banco de desenvolvimento.

O último Relatório Trimestral de Inflação do Banco Central aponta que a redução das dívidas das empresas junto ao BNDES está mais associada à convergência de custos de financiamento nos mercados de capitais e externo em relação aos empréstimos do banco de fomento, após a recente redução de subsídios, do que propriamente com a insuficiência de demanda por recursos.

O Banco do Brasil estima um total de R$ 1,5 trilhão em projetos de infraestrutura para ir a mercado nos próximos anos. “As debêntures de infraestrutura devem responder por cerca de 20% do financiamento”, diz Luiz de Lima Giacomini, gerenteexecutivo do BB na diretoria de mercado de capitais, responsável pela área de financiamento de projetos.

Somente os 20 lotes do leilão de transmissão de energia ocorrido na semana passada contemplam investimentos de R$ 6 bilhões. “O mercado de capitais está mais competitivo e devemos ver empresas que ganharam leilões recentemente ou fizeram aquisições buscarem o mercado para captar recursos via debêntures”, afirma Felipe Wilberg, diretor de mercado de capitais de dívida do Itaú BBA.

A Entrevias, concessionária de rodovias criada em 2017 pelo Pátria Investimentos para administrar o lote de rodovias do Centro-Oeste Paulista, emitiu em março R$ 1 bilhão em debêntures incentivadas pelo prazo de 13 anos. A operação saiu com um custo de 7,75% ao ano mais IPCA. “Esse projeto foi inteiramente financiado via mercado de capitais”, diz Fernanda Peres Arraes, gerente executiva do BB na diretoria de mercado de capitais, responsável pela área de renda fixa.

Outro fator que contribuiu para alavancar o volume de debêntures de infraestrutura foi a maior demanda por parte de investidores institucionais, como gestores de recursos, que viram nos títulos de dívida privada uma alternativa de elevar o retorno diante da queda do juro. A criação de novos fundos de debêntures de infraestrutura também deve incentivar esse mercado. Só o BNDES anunciou que vai destinar R$ 5 bilhões para essas carteiras, que tinham patrimônio de R$ 4,7 bilhões em maio.

Só a Vinci Partners tem R$ 500 milhões num fundo de energia renovável que tem o BNDES como cotista, para investir em debêntures de projetos de setores como geração de energia eólica, hidrelétrica, solar e de linhas de transmissão.

“Estimamos que nos próximos 12 a 18 meses devem vir a mercado cerca de R$ 2 bilhões em emissões de debêntures desses setores”, diz Marcello Almeida, sócio da Vinci.

Já o BNP Paribas está em fase de captação de um fundo de recebíveis (FIDC) para compra de debêntures de infraestrutura no valor total de R$ 375 milhões.

A mudança na regulamentação dos fundos de pensão, que ampliou o limite de investimento em debêntures de infraestrutura de 15% para 20% das carteiras, é outro fator que deve dar novo impulso a esse mercado daqui para frente.

Hoje, a participação desses investidores nas ofertas é tímida, já que as taxas das NTN-Bs estão próximas da meta atuarial dos fundações.

O aumento das taxas das NTN-Bs, no entanto, ajudou a elevar a demanda por debêntures de infraestrutura por parte das pessoas físicas (isentas do pagamento de Imposto de Renda), já que servem de referência para o rendimento desses papéis.

“Os investidores pessoas físicas vinham preferindo ficar em papéis atrelados ao CDI, e agora, com o aumento da taxa das NTN-Bs, voltaram a se interessar por essas debêntures”, afirma Rafael Quintas, sócio e chefe de distribuição de mercado de capitais da XP Investimentos.

A emissão de R$ 1,8 bilhão da Engie, por exemplo, destinada para as usinas hidrelétricas de Jaguara e Miranda, teve uma demanda de quase duas vezes o valor da oferta. Com isso, as taxas dos papéis saíram abaixo do teto previsto nas duas séries, com um prêmio de 0,75% sobre as NTN-B nas tranches atreladas ao IPCA.

O prazo médio das emissões também tem se alongado: chegou a 11,9 anos neste ano, até maio, ante 8,8 anos registrado no mesmo período do ano passado.

Daniel Vaz, chefe do mercado de capitais de renda fixa e project finance do BTG Pactual, acredita que as emissões de debêntures devem continuar fortes neste ano, com as empresas em busca de financiamento para seus projetos de infraestrutura. O banco trabalha em diversas operações, inclusive uma de R$ 220 milhões de um projeto de energia solar, que deve ter prazo de 16 anos e garantia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Como a maior parte das emissões tem saído via Instrução 476, que limita a oferta a 50 investidores, o que tem acontecido é que as tesourarias dos bancos têm ficado com esses papéis para depois repassá-los para clientes – com isso, a participação das pessoas físicas nas ofertas realizadas neste ano, até maio, caiu para 10,9%, ante 27,1% no mesmo período de 2017.

“Oferecemos para os clientes do private banking a chance de comprar o papel no mercado secundário, e também podemos recomprar esses papéis para dar liquidez para os investidores”, diz Wilberg, do Itaú BBA. No entanto, dificilmente os clientes conseguem comprar o papel no secundário com a mesma taxa da oferta.