Valor Econômico
17/02/2021

Por Rodrigo Carro

Fornecedores globais estão interessados em fornecer tecnologias para os serviços de concessão de saneamento da estatal fluminense

Com investimentos de R$ 12 bilhões previstos para os primeiros cinco anos, as concessões da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) despertam o interesse de fornecedores globais na área de saneamento, atentos à provável demanda por produtos e serviços decorrente do leilão marcado para 30 de abril.

A companhia francesa Suez estima em R$ 1,5 bilhão o potencial de venda de equipamentos e serviços atrelados à entrada de operadores e investidores privados na distribuição de água e na coleta e tratamento de esgoto no Rio de Janeiro. Presidente da companhia no Brasil, Federico Lagreca destaca a redução das perdas na distribuição de água como uma das principais oportunidades de negócio que seriam abertas pela licitação de concessões em diversos municípios hoje atendidos pela estatal fluminense.

O tratamento da água na estação do Guandu se baseia em qualidade de 50 anos atrás, diz André Souza, da DuPont

Em 2019, o índice de perdas no sistema de distribuição de água foi de 37,9% para a Cedae, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Somente com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), a Suez tem mais de 14 contratos assinados para gestão de perdas.

Desde o fim do ano passado, pelo menos cinco operadores da área de saneamento conversam sobre as concessões da Cedae com a Suez Water Tecnologies, unidade de negócios que atua nos segmentos de tratamento de água, resíduos e otimização de processos para a indústria.

Serão oferecidas no leilão previsto para ocorrer na B3 as concessões para atender quatro blocos de municípios fluminenses, num total de 35 cidades. A Cedae continuará responsável por captar e tratar a água que será adquirida pelas concessionárias.

“Pelo tamanho e complexidade do projeto, não creio que haverá mais de cinco interessados fazendo lances [no leilão]”, diz Lagreca. A Suez, enfatiza o executivo da subsidiária local, não participará do certame. Com receita total de € 18 bilhões em 2019, o grupo atua como operador de serviços de saneamento em mercados que abrangem 64 milhões de pessoas no mundo.

No Brasil, operou concessões municipais de saneamento nas cidades de Limeira (SP), Manaus (AM) e Campo Grande (MS), mas abandonou este mercado específico em 2005, em meio a dificuldades operacionais e a uma reorganização global que inclui a venda de ativos na América Latina. “Não faz parte da estratégia do grupo voltar para esse mercado regulado”, ressalta Lagreca, referindo-se ao Brasil.

Braço da multinacional americana para o segmento de tratamento de água, a DuPont Water Technologies acredita que a nova onda de licitações de saneamento no país abre um mercado potencial da ordem de US$ 500 milhões (quase R$ 2,7 bilhões) se forem consideradas apenas tecnologias de ultrafiltração para tratamento de água e esgoto. Desse total, US$ 150 milhões podem ser investidos por empresas ou consórcios na filtração por meio de membranas capazes de reter vírus e bactérias.

“O processo de tratamento de água na Estação do Guandu está baseado numa qualidade de água de 50 anos atrás. É uma qualidade que o Rio Guandu entregava mas que não existe mais”, argumenta André Sousa, diretor comercial na América Latina da DuPont Water Technologies. Inaugurada em 1955, a Estação de Tratamento de Água do Guandu tem capacidade para atender nove milhões de pessoas. O total equivale a 70% da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Tecnologias utilizadas na estação, como os filtros de areia, nasceram ainda no século XIX, explica Dario de Andrade Prata Filho, professor do curso de engenharia de recursos hídricos e meio ambiente da Universidade Federal Fluminense (UFF). “O filtro de areia atravessa o século XX todo”, diz o especialista.

De maneira geral, o tratamento da água na estação segue a mesma lógica dos anos 1950, esclarece Prata. “O problema hoje são os micropoluentes”, acrescenta o professor universitário.

Pedaços microscópicos de plástico, resíduos de cosméticos e de medicamentos de uso veterinário misturados à água dos rios tornam mais complexo o processo de purificação. “O tratamento de esgoto tradicional é focado em eliminar matéria orgânica. Ainda não contempla micropoluentes”, afirma Prata. O executivo destaca ainda que “cuidar do manancial é muito mais efetivo do que correr atrás de novas tecnologias.”

Gerente regional de Marketing para a América Latina da DuPont Water Technologies, Flavio Bechir lembra que o processo desordenado de urbanização no entorno dos mananciais que abastecem o Rio de Janeiro acaba por comprometer a qualidade da água captada na Estação do Guandu. “É possível tratar a água, por pior que seja, com combinações de tecnologias”, diz. “Mas o ideal é tratarmos o esgoto. Tanto para preservar os mananciais como para melhorar a qualidade de vida da população”.

No Estado do Rio de Janeiro, 90,7% da população contavam com abastecimento de água potável e 64,4% tinham coleta de esgoto em 2019, segundo dados do SNIS.