Valor Econômico
12/12/2019

Por  Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro

Manobra poderá alongar a tramitação do projeto e permitirá que os deputados tenham a palavra final sobre o texto

A Câmara dos Deputados usou ontem uma manobra legislativa que poderá alongar a tramitação do projeto de lei do novo marco legal do saneamento básico e, ao mesmo tempo, permitirá aos deputados dar a palavra final sobre o texto que irá à sanção presidencial. O projeto acabou aprovado por 276 votos a 124, mas ainda faltava, até o fechamento desta edição, votar as emendas sugeridas pelos partidos – a intenção era concluir tudo ontem à noite.

O novo marco estimula privatizações e a concorrência no setor, com o fim das contratações diretas de empresas estatais e a realização de licitações, o que foi alvo de criticas da oposição. A manobra legislativa envolveu ignorar o projeto já aprovado pelo Senado este ano, e que mantinha os contratos diretos entre prefeituras e governos com as empresas estatais, e votar no lugar um projeto de autoria do governo para atribuir à Agência Nacional de Águas (ANA) o poder de editar normas de referência sobre os serviços de saneamento. Em cima desse projeto foi aprovado o relatório do deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), negociado com o governo, os partidos de centro e de direita e os governadores.

A estratégia servirá para evitar uma modificação da proposta pelos senadores. Se fosse votado o projeto do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), a palavra final sobre o texto seria do Senado, onde as bancadas do Nordeste têm peso maior. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), costurou um acordo com os governadores da região, que são majoritariamente de oposição ao governo Bolsonaro, mas seus partidos continuaram contrários.

Como o projeto-base não é mais o do Senado, mas o do governo, qualquer alteração feita pelos senadores terá que voltar para uma nova análise da Câmara antes de seguir para sanção presidencial. Embora a tramitação possa demorar mais, essa manobra permitirá que a palavra final seja a dos deputados, onde há maioria para votar um texto mais duro com as estatais.

O novo marco legal continuava em discussão na noite de ontem e não tinha sido aprovado até o fechamento desta edição, principalmente por causa dos requerimentos da oposição para tentar adiar a votação. Faltava a análise das emendas – entre elas, a criação de uma tarifa social, com desconto de 40%.

O marco legal tem como principal inovação acabar gradualmente com contratos de programa (normalmente celebrados de forma direta entre prefeituras e companhias estaduais de água e esgoto, sem concorrência) e migrar para contratos de concessão (com exigência de concorrência aberta ao setor privado).

Além disso, prevê-se a fixação de 2033 como meta para a universalização dos serviços, com atendimento de 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto. Onde não houver viabilidade econômico-financeiro, a universalização ficaria para 2040.

Os articuladores do projeto fizeram uma última concessão esta semana para viabilizar um acordo com os governadores do PT e estabeleceram um prazo de 30 meses para que os governos possam estender os contratos de programa em vigência ou formalizar situações em que a companhia de água e esgoto já opera, mas em caráter precário.

O acordo foi informado aos deputados pelo governador da Bahia, Rui Costa (PT), em nome dos outros três governadores petistas, dizendo que a versão final do texto “protege as empresas estatais” e atende aos pontos essenciais para garantir a prestação de serviço à população.

A oposição, contudo, continuou a criticar a proposta e votar contra. O líder do PCdoB na Câmara, Daniel Almeida (BA), defendeu que deveria ser preservado o modelo público. “É um serviço essencial, que precisa ter como objetivo principal o atendimento a toda a população e não o lucro”, disse. “É inaceitável não ter diferenciação entre estatais e privadas na licitação”, reforçou.

Já o deputado Fernando Monteiro (PP-PE), que era um dos líderes, dentro dos partidos de centro, do movimento contrário ao projeto, destacou que o texto final garantirá segurança para os investimentos, públicos ou privados. “Todos os governadores do Nordeste e todas as empresas estatais de saneamento público assinaram uma carta a favor do acordo”, disse.

Segundo o deputado Evair de Mello (PP-ES), presidente da comissão que discutiu o projeto, a média das tarifas públicas é de R$ 4,37, enquanto a das empresas privadas é de R$ 4,29. “Dados oficiais mostram que o setor público cobra mais caro e investe menos”, disse. O deputado Afonso Florence (PT-BA) rebateu que há cidades onde o serviço está quase universalizado, por isso a diferença de investimentos, mas que as cidades pequenas ficarão desassistidas. “Haverá aumento da tarifa nas áreas superavitárias. Nos municípios pequenos ou subirá a tarifa ou não terá investimento. Vai ter colapso, vai ter desabastecimento”.