Valor Econômico
13/03/2020

Por Malu Delgado, Carolina Freitas e Marcelo Ribeiro

Parlamentares são convocados por ministros para reunião de emergência e já articulam projetos prioritários para votação

 A gravidade da crise global, provocada pela pandemia de covid-19, fez com que parlamentares governistas e de oposição demonstrassem ao Executivo federal a disposição de trabalhar em conjunto para aprovar medidas emergenciais necessárias para preparar o sistema de saúde pública para o surto da doença. Há consenso para a aprovação de crédito extraordinário de R$ 5 bilhões para a saúde, o que deve ocorrer já na próxima semana. O Legislativo, porém, faz cobranças fortes para que o ministro da Economia, Paulo Guedes, se posicione claramente sobre até que ponto a equipe econômica está disposta a ceder em medidas anticíclicas, aumentando gastos públicos, e que defina que reforma tributária quer para o país.

 Uma das prováveis consequências da crise no Congresso é que os projetos que tratam do Orçamento impositivo, com definição de quantias para emendas parlamentares, fiquem em banho-maria. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), por exemplo, defende que os R$ 30,1 bilhões de emendas do relator sejam integralmente destinados a programas e medidas emergenciais nas áreas de saúde e aquecimento da economia. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) concorda: “o Congresso vai engavetar temporariamente isso; não dá pra ser R$ 30 bilhões, R$ 15 bilhões ou R$ 1 bilhão de emendas impositivas porque vão dizer: está faltando dinheiro para hospitais e médicos e os parlamentares com emendas impositivas”

Crise deve colocar em banho-maria discussões sobre Orçamento impositivo e emendas parlamentares

A oposição vai pressionar pela revisão temporária do teto de gastos, e deve ganhar fôlego a tramitação de uma Proposta de Emenda Constitucional para reconhecer o Bolsa Família como política pública de Estado. Outra proposta que deve avançar, prevê a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), é a criação de um “fundo anticíclico”, a partir dos esforços de políticos de diferentes legendas. Já os governistas vão concentrar esforços pela aprovação das reformas sem descontrole do ajuste fiscal.

Os ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, da Economia, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reuniram-se com cerca de 80 parlamentares na noite de quarta-feira, na Comissão Mista de Orçamento (CMO), para debater a conjuntura atual. Dos pronunciamentos, o mais elogiado pelos parlamentares, mesmo da esquerda, foi o de Mandetta, pelo “pragmatismo e senso de realidade”. A objetividade de Campos Neto sobre os efeitos monetários da crise também agradou. A fala de Guedes foi a que causou maior incômodo, ainda que o clima da reunião não tenha sido de hostilidade. Os parlamentares do PT se recusaram a ouvir Guedes.

Para a cúpula do Congresso, houve uma “reação tardia” do governo para reconhecer a gravidade da situação, e ainda assim o ministro Paulo Guedes foi bem menos alarmante sobre os efeitos da propagação do coronavírus no Brasil, enquanto Mandetta enfatizava com firmeza que a partir da semana que vem o país já deverá vivenciar o surto da doença, que se estenderá por pelo menos quatro meses.

Sob o argumento de que o que acontece no mundo não acontece no Brasil, e de que é preciso dar a celeridade à tramitação das reformas administrativa e tributária, Guedes aumentou a insatisfação dos parlamentares. Além de o governo ainda não ter enviado suas propostas para as reformas tributária e administrativa, parlamentares acreditam que medidas econômicas de curto prazo que serão adotadas devem ser colocadas na mesa com transparência.

O ministro da Economia não descartou medidas anticíclicas, quando questionado pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), ex-líder da minoria. Em tom colaborativo, mas crítico, Molon disse que as reformas não vão resolver a crise econômica e sugeriu ao ministro que considerasse a possibilidade de rever a Emenda 95, do teto de gastos, ainda que temporariamente. Guedes disse que não descarta a hipótese, mas um parlamentar próximo acha pouquíssimo provável o ministro ceder. Em resposta ao deputado, Guedes deixou claro que o governo trabalha, sim, com a hipótese de socorrer setores econômicos e mencionou especificamente o aéreo.

“É emergencial a suspensão do teto de gastos para aumentar os investimentos públicos em curto prazo. Paralelamente a isto, precisamos aprovar o quanto antes uma reforma tributária progressiva que estimule o consumo e aumente a tributação dos super-ricos. Por fim, precisamos garantir que o BNDES tenha condições de garantir a liquidez para pequenos e médios bancos e de disponibilizar capital de giro para as empresas, mantendo a economia aquecida”, defendeu Molon.

Também desagradou a iniciativa de Guedes transferir a responsabilidade de ação ao Congresso. “O governo deve assumir a sua indeclinável responsabilidade de fazer política. Sua omissão neste ponto tangencia a irresponsabilidade institucional, constituindo-se em vetor de crises frequentes que multiplicam impasses prejudiciais à economia do país”, criticou o deputado Fábio Trad (PSD-MS).

“A questão sanitária, da saúde, da pandemia, essa é absolutamente imprevisível e grave. E tem outra dimensão da crise que é econômica”, disse Tasso Jereissati, enfatizando a fragilidade da economia brasileira. Segundo o senador, a solução imediata seria destinar os recursos de emenda de relator, do Orçamento impositivo, para combater a crise.

“É verdade que as reformas não resolvem nem a crise do coronavírus e nem a recessão econômica, são para médio e longo prazos”, reconheceu a senadora Simone Tebet. Ela acredita que a crise vai agilizar a tramitação da PEC dos fundos, em 15 dias. Tebet cobrou a presença de Guedes na comissão mista da reforma tributária, na próxima semana: “Não existe reforma tributária cuja base não saia do governo federal, ainda que façamos mudanças no Legislativo”, disse.

Líder do Novo na Câmara, o deputado Paulo Ganime (RJ) manifestou preocupação para que medidas populistas “não comprometam a agenda de reformas e de ajuste fiscal”. “Por mais que as reformas não demonstrem resultados concretos, na economia, elas garantem o futuro promissor. Precisamos avançar nas reformas: administrativa, tributária, PEC emergencial, PEC do pacto federativo, os marcos regulatórios de energia elétrica e saneamento básico.” Pensar em aumentar o gasto público, afirmou, pode ser um tiro no pé.

O Psol vai na linha contrária. “Precisa aumentar o gasto social e fazer investimento público. A primeira que tomaríamos seria pedir R$ 3,5 bilhões de crédito extraordinário para eliminar a fila do Bolsa Família”, disse o deputado Ivan Valente (Psol-SP). “Precisamos de medidas anticíclicas, recursos para investimentos públicos especialmente na área de infraestrutura e políticas sociais”, acrescentou o senador Humberto Costa (PT-PE).

“O Congresso não vai se eximir de qualquer responsabilidade. Vamos ajudar a resolver o problema, mas o problema não é só do Congresso, é de todos nós”, disse a deputada Joice Hasselmann, líder do PSL.