Valor Econômico  
22/07/2021

Por Taís Hirata

Lei do saneamento determina criação de cobrança para o serviço de resíduos sólidos, mas alguns já temem que norma “não pegue”

A nova lei do saneamento, que já provoca impactos no mercado de água e esgoto, não tem surtido o mesmo efeito no setor de resíduos sólidos. O marco legal obrigou as prefeituras a criarem uma taxa ou tarifa para os serviços de coleta e destinação do lixo. Porém, passado um ano da publicação da regra, a adesão ainda é muito baixa e alguns já apontam o risco de a norma “não pegar”.

Pela lei, sancionada em julho de 2020, as prefeituras teriam o prazo de doze meses para propor algum tipo de cobrança e garantir a sustentabilidade econômica dos serviços de resíduos sólidos.

Porém, uma enquete parcial feita na semana passada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), com 520 cidades, apontou que apenas 16% conseguiram apresentar alguma proposta nesse sentido. A pesquisa é bastante incompleta e não tem metodologia, mas reflete a percepção geral do setor: a nova exigência não saiu do papel.

“As prefeituras não vão implementar a cobrança, não vejo isso acontecendo no curto prazo. Esse processo vai demorar mais cinco, seis anos, e ainda assim teremos problemas na adequação”, afirma Hugo Nery, presidente da Marquise Ambiental. Para o diretor da Orizon Valorização de Resíduos, Alexandre Citvaras, o processo deverá ser paulatino e dependerá muito da atuação de órgãos de controle, como Ministério Público e tribunais de contas.

Obrigação trazida pela lei do saneamento não tem sido cumprida, e alguns temem que a regra fique só no papel

A criação de taxas ou tarifas para serviços de resíduos sólidos é uma das principais bandeiras das empresas privadas do setor, que convivem há décadas com a inadimplência e a dificuldade de conseguir a liberação de pagamentos nas prefeituras. A dívida acumulada, em todo país, é de R$ 18 bilhões, calcula a Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos).

Entre as gestões municipais, a apreensão com a nova lei é grande. Pela regra, aqueles que não cumprirem a exigência poderão responder por improbidade administrativa e crime de responsabilidade, já que a não criação da cobrança será classificada como uma renúncia de receita.

Para Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, a lei trouxe prazos irreais. Além disso, ele diz que o governo federal não tem dado o devido apoio às prefeituras, que ainda têm dúvidas técnicas e dificuldades políticas para colocar em prática a norma. “É fácil escrever uma lei em Brasília, mas a implementação é complexa”, afirma. Ele também reclama que a lei coloca nas prefeituras toda a responsabilidade de um problema de depende do comportamento da população e da indústria.

“Vamos trabalhar para ampliar a adesão [das cidades à tarifa de lixo], mas não acredito que vai aumentar muito”, disse. A associação tenta conseguir a extensão de mais um ano no prazo dado pela lei. Porém, Ziulkoski acredita que ainda assim será difícil conseguir implementar a norma.

Procurado, o Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) diz que tem apoiado de diversas formas os municípios, com manuais, treinamentos, webinars, entre outros. A pasta também afirma que a nova lei “já é uma realidade no país” e que a sustentabilidade econômicofinanceira dos serviços é um pleito antigo dos próprios municípios.

Para Luiz Gonzaga, presidente da Abetre (Associação Brasileira de Empresas Tratamento de Resíduos e Efluentes), falta vontade política das prefeituras. “Não é questão de entrave técnico. Há três manuais de apoio para a criação da taxa: um do MDR e dois das associações setoriais”, diz.

As entidades privadas também têm realizado cursos com as prefeituras para dar instruções sobre como aplicar a cobrança. O presidente da Abrelpe, Carlos Silva Filho, afirma que, nessas aulas, ele enxerga “uma vontade grande dos municípios de fazer”, mas que ainda há muitas dúvidas.

Na visão de Gonzaga, tudo dependerá da punição às prefeituras que não cumprirem a lei. “Tem que haver penalidade”, diz. Para Citvaras, da Orizon, o temor é que alguns órgãos de controle façam “vista grossa” para quem não implementar a regra.

A falta de recursos é apontada como um dos principais desafios do setor de resíduos sólidos no país. Um estudo conduzido pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) constatou um déficit de R$ 7,46 bilhões na prestação dos serviços.

O desequilíbrio ocorre porque, dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 1.629 fazem algum tipo de cobrança, aponta a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Mesmo entre os que já têm taxas, nem sempre a arrecadação é suficiente para cobrir os gastos – só 169 cidades têm as despesas totalmente garantidas.

Sem cobranças e com a crise fiscal que atinge o caixa público, os investimentos dificilmente são feitos. Hoje, 40,5% do lixo urbano coletado ainda tem destinação inadequada, segundo a Abrelpe.

O debate da tarifa de lixo é considerado sensível nas prefeituras, pelo impacto negativo junto ao eleitorado. Um caso sempre relembrado é o da “Martaxa” – apelido pejorativo dado à ex prefeita de São Paulo Marta Suplicy, quando criou a cobrança.

Apesar das dificuldades, Citvaras avalia que a lei do saneamento trouxe outro avanço importante, que tem produzido mais resultados: a regionalização. “Vemos o fortalecimento dos consórcios e alguns projetos surgindo. É um movimento restrito a uma fatia das cidades, mas é um início.”