Valor Econômico
14/11/2019

O guia analisou 912 fundos voltados para investidores comuns e selecionou dez destaques em cada categoria de produtos

Por Luciana Del Caro

Já está quase se tornando um mantra: com a queda dos juros, o investidor terá de correr mais riscos. A avaliação dos economistas é a de que os juros devem se manter em patamares baixos por um longo tempo. E que, nesse cenário inédito para o país, será necessário diversificar as aplicações em busca de rendimentos satisfatórios. O investidor brasileiro, que estava acostumado a obter boa rentabilidade sem muito esforço, agora precisará se planejar, diversificar as aplicações e se informar melhor sobre investimentos.

Pensando nessa situação sem precedentes na história recente do país e constatando a difícil tarefa que os investidores têm pela frente, esta edição da ValorInveste traz o Guia ValorInveste de Fundos de Investimento. “Nosso propósito foi o de ajudar os investidores a se encontrarem dentro dessa nova realidade de mercado e de desenrolar o universo dos fundos para os investidores comuns”, afirma Marcelo d’Agosto, economista e colunista do site ValorInveste, responsável pela elaboração do guia.

O guia analisou 912 fundos voltados para investidores comuns e selecionou dez destaques em cada categoria de produtos. Foram incluídos apenas os fundos acessíveis às pessoas físicas e ficaram de fora os exclusivos e os abertos à captação, mas que na prática não aceitam aportes.

 Para facilitar a vida do investidor, o guia partiu para uma nova classificação dos fundos de investimento, já que as atuais são muito complexas e dizem pouco ao aplicador comum. Os produtos foram divididos em 16 categorias, de acordo com o risco de cada uma. Para obedecer à regulamentação, alguns fundos são classificados em determinada categoria porque seus regulamentos permitem a aplicação em um ativo ou mercado específico, mas, na prática, eles não investem nesses ativos.

Um fundo multimercado que compra crédito privado e tem baixa volatilidade, por exemplo, não pode ser comparado com um multimercado que investe em moedas, ações e juros e que ainda pode ter alavancagem – as cotas do último oscilam bem mais. “A ideia é permitir a comparação entre ativos que realmente são comparáveis entre si”, diz d’Agosto.

Esse foi um dos grandes desafios do guia: enxugar o universo de mais de 20 mil fundos existentes no Brasil para 912 e colocar cada produto no seu quadrado. A tarefa começou em abril e foi concluída no início de outubro. Para isso, d’Agosto usou o sistema da Morningstar, fez análises estatísticas para agrupar os fundos semelhantes e discutiu os critérios com a equipe do Valor Data, com editores e gestores de recursos.

Daqui para a frente, a tarefa de escolher bem onde aplicar – tanto no que se refere à proporção da carteira destinada a cada classe de ativos quanto aos produtos em si – se torna mais relevante por conta dos juros baixos. E esse cenário inédito parece ter vindo para ficar: “O ciclo de queda dos juros ainda está longe do fim”, afirma Lucas Tambellini, estrategista do Itaú BBA, que trabalha com projeção de meta da taxa Selic em 4,5% no fim deste ano e 4% em 2020.

As taxas devem permanecer baixas porque a inflação está sob controle. Os juros também vêm caindo no exterior – estão negativos em vários países desenvolvidos. E a aprovação da reforma da Previdência tirou um pouco os holofotes do déficit público. “Este ano marca o encerramento da etapa de corrigir grandes desequilíbrios, embora ainda haja o desafio de controlar as despesas obrigatórias para levar o país de déficit a superávit”, afirma Marcelo Toledo, economista-chefe da Bradesco Asset Management (Bram). Ele projeta um crescimento de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) para o ano que vem. O grande desafio, considera, será a retomada do investimento do setor privado.

Há também a série de agendas do governo: as reformas tributária e administrativa, as privatizações e concessões, a nova lei de saneamento etc. “Podemos voltar a crescer mais fortemente com a reforma tributária e, caso isso ocorra, voltar a sonhar com o grau de investimento. Os passos fundamentais serão dados nos próximos 12 meses”, afirma Newton Rosa, economista-chefe da Sul América. Essas agendas são consideradas importantes para sustentar o crescimento no médio e longo prazos, mas não se espera que, caso não andem, comprometam a expansão da economia já em 2020.

Os profissionais são unânimes em dizer que o principal risco do momento não está dentro de casa, mas fora. “O cenário externo joga contra e dificilmente contribuirá de forma positiva para o Brasil”, afirma Rosa. As tensões entre Estados Unidos e China, a redução do comércio mundial e a preocupação com a recessão global podem aumentar a aversão a risco – situação sempre prejudicial a emergentes como o Brasil.

 Alguns consideram que os multimercados continuam como uma alternativa interessante para buscar rendimento adicional. “Os multimercados são uma boa forma de diversificar, pois podem ganhar tanto com a melhora quanto com a piora do mercado, além de investir em vários ativos”, diz Rafael Passos, analista da Guide Investimentos.

Já a renda fixa deve continuar como a principal aplicação dos brasileiros, uma vez que oscila menos e é recomendada para a preservação do capital. “A questão é quanto colocar na renda fixa e quanto em outros ativos, como as ações e os fundos imobiliários”, afirma Toledo, da Bram. Na renda fixa, ele ainda vê oportunidades nos prêmios de títulos de prazos mais longos, como as LTNs que vencem em 2022 e 2023 e NTN-Bs que vencem em 2050.

Dan Kawa, sócio da TAG Investimentos, enxerga boas perspectivas no crédito high yield, que oferece de 180% a 200% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), desde que se escolham fundos que compram títulos com boas garantias. Passos, da Guide, olha para as debêntures incentivadas com rendimentos de IPCA + 4%.

Os juros baixos, aliás, devem mudar a forma de avaliar as aplicações, considera Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica: “Os investidores vão preferir as emissões que rendem CDI mais uma taxa fixa”, afirma. Com juros de 5% ao ano, por exemplo, um fundo que paga 110% do CDI renderia 5,5% nominais. Assim, os aplicadores preferem títulos que rendem CDI mais juros prefixados (5% ao ano de CDI mais 4% de juros, por exemplo, renderiam 9% nominais).

 Mesmo que a economia não esteja num ritmo forte e que a bolsa já tenha subido nos últimos quatro anos, os especialistas esperam que os principais ganhos daqui para a frente venham das ações. “O impulso da bolsa deve vir do aumento do lucro das companhias, que estão com estruturas enxutas e se beneficiam da queda dos juros por meio da redução de suas despesas financeiras”, diz Passos. A Guide trabalha com uma projeção do Índice Bovespa (Ibovespa) em 134 mil pontos no fim de 2020. Itaú BBA projeta 132 mil pontos.

O Ibovespa tem potencial para dobrar nos próximos três anos. As empresas podem crescer com alta rentabilidade”, afirma Walter Maciel, CEO da AZ Quest. Para ele, os fundos mais indicados são os de gestão ativa (no qual o gestor seleciona as ações com mais potencial), já que o Ibovespa é concentrado em ações de commodities e do setor financeiro, e esses não devem sair na frente com uma possível retomada da economia.

Embora considerem que as ações devem fazer parte da carteira dos investidores com perfil e recursos para isso, os profissionais alertam que é fundamental acertar na proporção de ativos de risco. “Quem não estiver bem assessorado pode errar o tamanho da alocação em renda variável”, diz Kawa. Ele exemplifica: se alguém está com 50% dos seus investimentos em ações e a bolsa cair 20% em dois ou três meses, a pessoa vai perder 10% do patrimônio nesse prazo curto.

Acontece que, hoje, com os juros baixos, será mais difícil se reerguer: “Agora, se o investidor errar a sua posição na bolsa, vai demorar muito a se recuperar”, diz Marcos Lyra, gerente comercial do Daycoval Investimentos. Antigamente, Lyra conta que era comum que o investidor que havia perdido na bolsa aplicasse na renda fixa por alguns meses até se recuperar das perdas, para então voltar para a bolsa. Agora, alguém que perdeu 10% do patrimônio e aplicá-lo na renda fixa pós-fixada vai demorar pelo menos dois anos para voltar ao valor inicialmente aplicado (sem levar em conta o custo de oportunidade).

A queda de rentabilidade da renda fixa pós-fixada está levando muita gente para a renda variável. Ainda mais porque esses investidores estão olhando para o desempenho passado da bolsa, que subiu 38,9% (2015), 26,8% (2016), 15% (2017) e 19% (2019, até 18 de outubro). Gilberto Abreu, diretor de investimentos do Santander, diz que muitos investidores vêm refazendo os seus testes de perfil de risco para lidar com esse novo contexto de juros baixos.

Um conservador, que não abria mão da liquidez e nem da segurança, está se vendo de certa forma obrigado a revisar suas premissas para não ficar preso aos rendimentos modestos. Ele faz duas advertências: “É necessário que o investidor tenha honestidade intelectual para responder ao teste e saber se ele aguenta uma perda do principal aplicado. E, também, é importante desconfiar dos discursos e propagandas presentes nas redes sociais dizendo que é possível ter alta rentabilidade sem correr riscos. Isso é vender sonhos”.