Valor Econômico
08/11/2019

Por Taís Hirat

Setor de resíduos sólidos vive situação de estagnação, agravada pela crise fiscal dos municípios, diz associação

O Brasil caminha a passos lentos para acabar com a destinação irregular de seu lixo urbano, que ainda representa 40,5% do total coletado no país, segundo estudo da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), obtido em primeira mão pelo Valor.

 As perspectivas de zerar o déficit são baixas, apontam os dados. Em 2018, os recursos destinados ao setor de limpeza urbana diminuíram, em vez de crescer, com queda de 1,3% nos investimentos totais (que incluem expansão e custeio). Os cortes mostram que as prefeituras estão reduzindo os serviços.

A conclusão é que o setor de resíduos sólidos vive uma situação de estagnação, agravada pela crise fiscal dos municípios e pela falta de uma regulação que possibilite o desenvolvimento do mercado, afirma Carlos Silva Filho, presidente da associação.

“Há um problema estrutural, que é a indefinição de quem paga pelo serviço. É um setor em que a operação custa mais que os investimentos para expansão. Os municípios não têm capacidade de arcar com esse gasto, e em poucas cidades há uma fonte de remuneração, como a cobrança de tarifa.”

De todo o lixo coletado em 2018 no país, 59,5% tiveram destinação correta, em aterros sanitários. O índice não teve avanço significativo desde 2013, quando a Abrelpe adotou a atual metodologia da pesquisa: à época, a taxa era de 58,3%. “É um ritmo insuficiente para reverter o cenário atual”, afirma.

O restante do lixo tem dois destinos, ambos irregulares: o aterro controlado (23%), que minimiza os impactos ambientais, mas ainda provoca contaminação; e o lixão (17,5%), que é basicamente o descarte indiscriminado.

Os dados de 2019 ainda não são conhecidos, mas, segundo Silva, a percepção é que a situação se agravou. “A crise fiscal persiste, tivemos um aumento da inadimplência.”

 Um dos problemas centrais do segmento de resíduos sólidos é que, ao contrário do de água e esgoto, as operações dependem do orçamento público e há raros casos de cobrança de taxas ou tarifas. “O serviço não é financeiramente autossustentável”, afirma o advogado Rafael Vanzella, sócio do Machado Meyer.

A participação do setor privado representa mais de 70%. No entanto, as companhias são, em sua maioria, contratadas como prestadoras comuns ou por Parcerias Público-Privadas (PPPs), modelo de concessão que exigem contrapartidas do poder público – e, portanto, do orçamento.

A cobrança de tarifa tem sido defendida como a principal saída para viabilizar os investimentos, mas há entraves legais, explica o Gustavo Magalhães, sócio especialista em saneamento do Fialho Salles. Há anos, o setor aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o caso da cidade de Joinville (SC), que cobrava pela coleta e passou a ser questionada judicialmente por moradores.

Além da insegurança jurídica, há grande resistência política em adotar tarifas ou taxas, devido à impopularidade da medida – um caso sempre relembrado é o da “Martaxa”, apelido pejorativo dado à ex-prefeita da capital paulista Marta Suplicy quando ela tentou cobrar pela coleta de lixo.

O projeto de lei que altera o marco legal do saneamento básico traz medidas que poderão pressionar as prefeituras a adotar algum tipo de cobrança pelo serviço e traçar um planejamento que dê alguma perspectiva de resolver o problema.

No entanto, as mudanças propostas provocaram controvérsia. A principal delas é a prorrogação do prazo para que os municípios eliminem os lixões – o que deveria ter ocorrido em 2014, segundo o Plano Nacional de Resíduos Sólidos. A proposta é estender o prazo já vencido, para que a exigência passe a valer entre 2021 e 2024, a depender do porte da cidade.

Para obter essa ampliação, porém, a prefeitura precisa elaborar um plano de gestão dos resíduos e criar mecanismos de cobrança para garantir a sustentabilidade econômico financeira da operação.

Na visão da Abrelpe, o prazo adicional dará um novo gás ao setor. “A repactuação poderá gerar uma mobilização”, diz Silva.

Para Vanzella, porém, a tendência é que novo prazo não seja levado a sério. “O projeto de lei não só foi tímido com relação ao setor de resíduos, como também flexibilizou o dever de acabar com os lixões. Essa anistia passa a mensagem errada, de que, se a regra não for cumprida, haverá novas prorrogações no futuro.