Folha de São Paulo
23/06/2020

Por Nicola Pamplona

Para prefeito, processo tocado pelo governo do estado passa por cima do interesse do município

A prefeitura do Rio ingressou com ação civil pública para suspender o processo de privatização da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgotos do Rio), que vem sendo tocado pelo governo estadual em parceria com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

A expectativa é que a companhia seja leiloada no quarto trimestre, mas o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), alega que o processo licitatório é ilegal, por ter sido conduzido sem participação da prefeitura do Rio.

A licitação prevê a concessão do fornecimento de água e da coleta de esgoto de quatro blocos de municípios do estado. Todos eles incluem uma região da capital, com o objetivo de garantir a atratividade de áreas menos rentáveis. O projeto prevê investimentos de R$ 33 bilhões para a ampliação do acesso.

O governo do estado tem pressa em realizar a licitação para garantir o pagamento de empréstimo de R$ 4 bilhões feito com o banco francês BNP Paribas em 2017, quando o Rio convivia com atrasos no pagamento de salários e de fornecedores. A dívida foi garantida pela União, tendo ações da Cedae como contragarantia.

O contrato de financiamento, vence em dezembro e, em caso de inadimplência, o governo federal poderá tomar as ações da companhia de saneamento, cuja privatização foi aprovada em meio a violentos protestos no Rio.

“O procedimento licitatório da Cedae foi construído de forma ilegal, uma vez que se baseia numa legislação inconstitucional, que cria a Região Metropolitana e torna a vontade do estado soberana à do município”, disse, em nota, a Prefeitura.

“Esta norma retira da Prefeitura do Rio qualquer participação no processo e impede a autonomia municipal que é garantida pela Constituição Federal”, continua o texto.

O conflito é visto como uma prévia do que pode ocorrer durante o processo de concessão do setor de saneamento previsto pelo novo marco legal do setor, que será apreciado pelo Senado nesta quarta (24).

Com investimentos previstos pelo relator Tasso Jereissati (PSDB-CE) em R$ 700 bilhões, o projeto incentiva a regionalização das concessões, com o objetivo de misturar municípios com diferentes níveis de atratividade para garantir o interesse de investidores.

Como a competência pela gestão do saneamento é municipal e, em geral, os serviços são prestados por companhias estaduais, é preciso que os diferentes níveis de governo cheguem a acordos antes de propor a transferência para a iniciativa privada.

No caso da Cedae, o modelo proposto pelo BNDES mantém a produção da água com gestão estatal, privatizando a distribuição de água e a coleta e tratamento de esgoto.

A primeira audiência pública sobre a concessão será feita nesta quinta (25). A princípio, seriam duas audiências, mas o governo decidiu agendar uma terceira para ampliar a transparência, disse o o subsecretário de Concessões e PPPs (Parcerias Público-Privadas) do governo do Rio, Gilmar Viana.

Ele defende que a transferência do serviço para o setor privado traz benefícios econômicos, com investimentos e geração de emprego, e ambientais, já que prevê aportes também na recuperação da bacia do rio Guandu, responsável pelo abastecimento da capital.

Além da Cedae, o BNDES já iniciou processos de concessão de serviços de saneamento em Alagoas, Espírito Santo,Rio Grande do Sul, Amapá e Acre, estados que se anteciparam à votação do novo marco do setor.