Valor Econômico

 30/12/2020

Por Rafael Rosas e Rodrigo Carro — Do Rio

Concessão de saneamento no RJ terá outorga mínima de R$ 10 bi e 4 blocos

Dos 47 municípios previstos inicialmente, apenas 35 aderiram de fato ao edital

Depois de dois anos e meio de estudos, o governo do Rio de Janeiro lançou ontem o edital de concessão dos serviços de distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto para 35 municípios do Estado hoje atendidos pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). A previsão é de que o leilão aconteça em 30 de abril de 2021 na B3, quando serão leiloados quatro blocos com outorga mínima total de R$ 10,6 bilhões. Os vencedores serão aqueles que oferecerem o maior ágio em relação à outorga mínima em cada um dos blocos.

O edital de concessão de serviços da Cedae prevê para 27 de abril do ano que vem o recebimento das garantias das propostas, da proposta comercial e dos documentos de habilitação, com o resultado da análise das garantias das propostas saindo em 29 de abril e com o leilão ocorrendo no dia seguinte.

Dos R$ 10,6 bilhões, valor mínimo que será obtido com o leilão, o Estado do Rio ficará com 80%, enquanto 15% serão distribuídos aos municípios, proporcionalmente ao número de habitantes. Os demais 5% serão destinados ao Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana. Caso as propostas pelos blocos superem a outorga fixa, o montante que superar esse valor será distribuído com 50% indo para o Estado e 50% para os municípios, mais uma vez de acordo com a população de cada um.

Uma surpresa no edital foi o número de municípios que aderiram ao processo. Embora 47 prefeituras tenham se cadastrado para participar do processo, apenas 35 efetivamente assinaram as autorizações. Apesar da redução no número de cidades, o diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Fábio Abrahão, afirmou que a saída de 12 municípios na reta final não levou a grandes alterações, pois se tratavam de regiões com populações pequenas.

“Os municípios fizeram uma manifestação de interesse e teve a última rodada, que foi assinatura dos documentos e de fato alguns prefeitos optaram por não participar. Mas do ponto de vista material, em termos de população, não fez muita diferença. Houve ajustes muito pequenos”, disse Abrahão.

Os quatro blocos que serão leiloados serão o Bloco 1, formado pela zona sul do Rio e mais 17 municípios, com outorga fixa mínima de R$ 4,036 bilhões; o Bloco 2, composto por Barra da Tijuca e Jacarepaguá, além dos municípios de Miguel Pereira e Paty do Alferes, com outorga fixa mínima de R$ 3,172 bilhões; o Bloco 3, integrado pelo restante da zona oeste do Rio e as cidades de Piraí, Pinheiral, Rio Claro, Itaguaí, Paracambi e Seropédica, e outorga fixa mímima de R$ 908,1 milhões; e o Bloco 4, que terá o centro e a zona norte do Rio, além de de Belford Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e São João de Meriti, com outorga fixa de R$ 2,503 bilhões.

Abrahão explicou que não há restrição para a participação de estrangeiros e que mais de uma empresa ou consórcio pode tentar levar mais de um bloco, mas ressaltou que há no edital um requisito de capacidade de investimento que sobe de forma não linear no caso de alguém “dar o lance para mais de um bloco. Segundo ele, é “quase impossível”, por exemplo, um concessionário operar três blocos diferentes, por causa desse requisito. “A própria mecânica leva à competição.”

Há também a obrigação de que o vencedor da licitação tenha em sua equipe de gestão profissionais, sócios ou empresas com expertise na gestão do setor de saneamento, mas a forma como essa experiência será usada fica a cargo do consórcio. “Tem requisito de capacidade no time de gestão. Mas, como um dos nossos fundamentos é abrir o setor e evitar oligopólios, o formato que vai ser trazido a gente deixa em aberto. Pode ser um gestor pessoa física ou um contrato de longo prazo para prestação do serviço, ou no equity. A gente não quis fechar [um formato], mas os requisitos mínimos têm que ser atendidos”, disse Abrahão. Haverá ainda uma outorga variável, que nada mais é que um pagamento mensal que as concessionárias farão aos municípios e à região metropolitana e que corresponderá a 3% da arrecadação tarifária.

Sócio do escritório Felsberg Advogados, Rodrigo Bertoccelli destaca que o edital busca explicitamente atrair investidores com capacidade para captar recursos. “Isso é o mais importante para esse edital”, opina o especialista na área de saneamento. “A capacidade operacional de tratamento é marginal, menos importante. A finalidade, portanto, é atrair bancos e fundos de investimento. Este edital foi mais preciso nesse aspecto, inclusive melhor disciplinando a participação de estrangeiros.”

Fábio Abrahão, do BNDES, não acredita que o fato de ações da Cedae terem sido dadas em contragarantia num empréstimo de R$ 4,5 bilhões tomado pelo governo do Rio junto ao banco BNP Paribas represente obstáculo ao processo de licitação das concessões. O prazo para quitação do financiamento terminou em 20 de dezembro sem que o Estado tenha feito o pagamento. A União é avalista da operação e tem o direito de executar contragarantias que incluem ações da Cedae, repasses federais e receitas próprias do Estado.

“Isso foi tratado antes”, relativiza o executivo. “A gente não poderia chegar nesse ponto e ter essa dúvida. A questão foi mais de como fazer o esclarecimento para o mercado investidor. O exercício das contragarantias é muito estendido no tempo e não atrapalha o processo.”

Ontem, a Secretaria de Fazenda fluminense divulgou nota na qual afirma que a liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) concedida em 24 de dezembro e que manteve o Estado do Rio de Janeiro no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) abrange também a dívida do governo estadual com o BNP Paribas. A conclusão é da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ), que emitiu parecer nesse sentido após analisar a liminar.

A Secretaria do Tesouro Nacional (STN), por sua vez, esclareceu por e-mail que “esse tema [contragarantias] não foi tratado no âmbito da liminar proferida pelo STF em relação ao RRF”. No texto, o Tesouro frisou ainda que é “preferível o ressarcimento por meio da retenção dos repasses de FPE, além do ICMS, conforme permite a Constituição Federal, haja vista que esses recursos são líquidos, certos e exigíveis.”

O prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), afirmou ser favorável ao sistema de concessão previsto para os serviços de água e esgoto do Estado, mas criticou a fatia prevista para os municípios. “Acho só que é importante que os municípios tenham participação maior no que vão receber. Mas estou conversando com o governador Cláudio Castro e tenho certeza que chegaremos a bom termo”, disse Paes em entrevista à GloboNews na tarde de ontem.