Valor Econômico

Por Rodrigo Carro e Francisco Góes — Do Rio
21/10/2019

Programa de privatização é parte de uma reforma estrutural com impacto fiscal estimado em R$ 25 bilhões ao longo de dez anos

Há mais de quatro anos pagando o salário do funcionalismo de forma parcelada, o governo do Rio Grande do Sul recorreu ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para modelar o processo de privatização de pelo menos quatro estatais gaúchas nas áreas de energia e mineração. As iniciativas de desestatização são parte de um conjunto de medidas de saneamento financeiro cuja espinha dorsal é uma reforma estrutural com impacto fiscal estimado em R$ 25 bilhões ao longo de dez anos.

Em setembro, o BNDES publicou na internet os editais de licitação para a contratação de serviços técnicos necessários para estruturar as operações de venda à iniciativa privada da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE -D), da Companhia Estadual de Geração e Transmissão de Energia Elétrica (CEEE-GT) e da Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás). Nos editais, a abertura das propostas está prevista para este mês.

“Assinados, nós temos [acordos com o BNDES] nas áreas de energia, gás e [concessão de] rodovias. E, em modelagem, para assinatura de [termos de] cooperação: saneamento, mineração e hidrovias”, disse ao Valor o secretário estadual de Fazenda do Rio Grande do Sul, Marco Aurélio Cardoso. A quarta estatal da qual o governo gaúcho pretende se desfazer é a Companhia Riograndense de Mineração (CRM).

Ao todo, o ativo total das quatro companhias somava R$ 9,77 bilhões ao fim do segundo trimestre deste ano, de acordo com as demonstrações contábeis divulgadas para o período. No entanto, o valor mínimo de venda das empresas só será decidido a partir da conclusão da modelagem dos processos de privatização. Os recursos não são contabilizados dentro do plano de reforma estrutural. Com valor de mercado em torno de R$ 9 bilhões, o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) não fará parte do programa de privatizações do governo gaúcho, reafirmou Cardoso.

“No conjunto de desafios para as finanças públicas do Rio Grande do Sul, a privatização do Banrisul não é a questão-chave efetivamente mais importante”, sustentou o titular da Fazenda gaúcha. “Em segundo lugar, o debate político em torno da privatização do Banrisul é algo que está longe de ser ‘consensado’ pela sociedade.”

Na análise do secretário, o investimento político no debate sobre uma possível venda da instituição financeira à iniciativa privada ganharia uma proporção tão grande que “tomaria o espaço de outras medidas que são estruturantes.”

O impacto fiscal de R$ 25 bilhões esperado a partir da reforma estrutural proposta pelo governo do Rio Grande do Sul abrange tanto uma economia de R$ 11 bilhões (decorrente do corte de despesas) quanto um incremento de receita de R$ 14 bilhões (fruto do aumento de contribuições previdenciárias). O déficit previdenciário do Rio Grande do Sul está na casa de R$ 12 bilhões. No Estado, há mais aposentados e pensionistas do serviço público do que funcionários na ativa – a proporção entre os grupos é de 60% e 40%. A proposta de reforma estrutural foi apresentada na semana passada a deputados da Assembleia Legislativa do Estado e à imprensa.

“O Rio Grande do Sul é o Estado no país que tem a pior relação entre ativos e inativos. Temos 1,63 inativo, entre aposentados e pensionistas, para cada um [funcionário] ativo”, esclareceu Cardoso. Numa tentativa de atenuar o problema, o Executivo gaúcho divulgou – dentro do seu plano de reforma estrutural – proposta de elevação progressiva da alíquota previdenciária do funcionalismo público.

A proposta prevê três alíquotas distintas, de acordo com a faixa de remuneração do servidor: 14%, 16% e 18%. Na prática, o percentual mais alto (18%) corresponderia a uma alíquota máxima efetiva de 16,7% – ligeiramente inferior àquela prevista para os servidores federais na principal proposta de emenda constitucional (PEC) da Reforma da Previdência, que tramita no Congresso.

“Mesmo depois das outras medidas […], se ainda persistir o déficit atuarial, a base de cálculo dos inativos pode recuar para cima do salário-mínimo, ao invés de ser acima do teto do INSS”, disse o secretário. Se colocada em prática, a medida ampliaria o número de inativos sobre os quais recairia a cobrança da alíquota previdenciária. Isso porque a cobrança da alíquota passaria a ser feita para todos os inativos que ganhem mais de um salário mínimo.

Caso esse conjunto de medidas seja integralmente adotado, a expectativa é de que sejam equacionados R$ 86 bilhões (23%) do déficit atuarial total do Estado, que alcança R$ 373 bilhões. O déficit atuarial corresponde à insuficiência de recursos para pagamento dos compromissos dos planos de benefícios.

Nos últimos dez anos, a expansão nominal da despesa com pessoal no Estado foi de 187%, o dobro da inflação do período. Saltou de R$ 10,1 bilhões, em 2007, para R$ 29,2 bilhões, em 2018. Para este ano, a previsão é de que a folha de pagamento some R$ 30,7 bilhões. O patamar elevado de desembolsos com pessoal explica, em grande parte, o déficit orçamentário crônico do Estado, entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões ao ano.