Valor Econômico
25/03/2020

Por Victor Rezende e Marcelo Osakabe

Para Castellano, medidas fiscais e monetárias anunciadas são tímidas

Os efeitos do novo coronavírus na economia global tendem a ser devastadores e o Brasil deve ser duramente afetado pela crise, que trava de vez a retomada da atividade no país que já seguia em passos lentos. A essa percepção, soma-se a ausência de estímulos mais fortes no combate à crise no Brasil, no momento em que outros países já anunciaram medidas robustas tanto no lado fiscal quanto no campo monetário.

O quadro é traçado pelo Instituto Internacional de Finanças Internacionais (IIF), que projeta uma retração de 1,8% para o PIB brasileiro em 2020. Ao avaliar o quadro econômico brasileiro, o chefe de pesquisa para América Latina do IIF, Martín Castellano, não se mostra muito otimista. Em entrevista ao Valor, ele diz acreditar que, ao menos até o momento, as medidas fiscais e monetárias implementadas para dar apoio à recuperação da atividade são tímidas.

Dados do IIF indicam ainda que o caminho para os mercados emergentes, de forma geral, tem sido mais desafiador. O Brasil, contudo, tem sofrido mais do que outros países. De 21 de janeiro a 13 de março, quando a crise do novo coronavírus já estava instaurada, a saída de capital estrangeiro no Brasil foi de US$ 10,05 bilhões, a maior da América Latina. Entre os emergentes em geral, o Brasil fica atrás somente de Taiwan (US$ 10,95 bilhões) e da Coreia do Sul (US$ 10,27 bilhões).

Parte da resposta está no crescimento, que já decepcionava antes mesmo do coronavírus, diz Castellano. Para ele, é o BC quem tem mais espaço para dar apoio à economia no momento. “Tudo no papel aponta para a possibilidade de mais estímulos monetários”, diz.

Valor: O IIF passou a esperar uma contração de 1,5% no PIB mundial em 2020. Como essa retração da atividade mundial deve afetar o Brasil em particular?

Martín Castellano: Revisamos nossas projeções recentemente e, no caso do Brasil, passamos a esperar uma contração de 1,8% do PIB neste ano. Antes, víamos um crescimento em torno de 1%. Definitivamente estamos vendo uma parada repentina no mundo e os mercados emergentes não fogem à regra. Por isso, vemos um declínio significativo do PIB por causa do novo coronavírus.

Valor: O que explica a forte saída de capital estrangeiro do Brasil neste ano, como apontado pelo IIF?

Castellano: É uma combinação de fatores, que inclui a importância do Brasil, dado o tamanho de seus mercados, a exposição à China e às commodities e uma posição fiscal ainda fraca. O fato de a economia estar se recuperando gradualmente de uma recessão profunda e prolongada também não ajudou. Recessões profundas e longas são geralmente associadas a recuperações lentas e incompletas. A decepção com o crescimento não é de hoje. O coronavírus chega em um ambiente cujo ponto de partida já contempla uma capacidade não utilizada muito grande.

Valor: Como o IIF avalia a atuação das autoridades brasileiras para conter os efeitos do coronavírus?

Castellano: No geral, as medidas fiscais anunciadas até agora são ineficientes. Há um espaço muito limitado nessa frente. No campo monetário, temos visto que o BC do Brasil ganhou credibilidade significativa nos últimos anos e isso se refletiu na ausência de “pass through” do câmbio para a inflação. Isso significa que o BC tem mais espaço para usar. É claro que há uma meta e que não se deve descuidar da estabilidade financeira, mas acho que há um espaço que pode ser utilizado. Tudo no papel aponta para isso. As condições domésticas, as características do choque e o que está acontecendo com outros bancos centrais dão espaço adicional para o BC flexibilizar sua política.

Valor: O IIF acredita que novas ações podem ser anunciadas?

Castellano: O Brasil colocou em vigor um pacote abrangente dentro dos limites de uma posição fiscal muito restrita. Estamos enfrentando uma batalha bastante fluida e essas medidas são suaves, limitadas. Existe a disposição do governo de manter o atual quadro fiscal. Diante disso, eu diria que talvez há um pouco mais que o governo possa fazer, mas não esperamos mudanças significativas.

Valor: O aperto nas condições financeiras limita as ações do BC?

Castellano: No contexto atual, temos um choque que afeta a taxa de câmbio. Obviamente a capacidade do BC de fazer políticas anticíclicas fica mais limitada, o que afeta o sentimento de

risco. Acho que as condições atuais fornecem motivos para observarmos o repasse à inflação, que continua baixo quando se olha a magnitude dos movimentos recentes. Assim, acredito que existe espaço para cortar mais os juros.