Por Claudia Safatle e Daniel Rittner – Valor Econômico

O ministro Fernando Coelho Filho: “Há grande interesse do mercado; o perfil vai ser
muito de fundos de investimentos, fundos de pensão, investidores externos”

Mesmo depois de se desfazer do controle acionário da Eletrobras, a União manterá o direito de indicar o presidente do conselho de administração da companhia, segundo o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho. O número de conselheiros passará de 10 (hoje duas vagas estão em aberto) para 11. Apenas um deles – justamente o presidente – será designado pelo governo.

Em outra decisão relevante, a megausina de Tucuruí deve ter o contrato renovado antecipadamente por 30 anos. A concessão da hidrelétrica – maior em território nacional – expira em 2024 e o prolongamento do prazo garante mais receitas ao Tesouro.

Em entrevista ao Valor na sexta-feira, enquanto sua equipe corria para finalizar o texto do projeto de lei que autoriza a privatização da Eletrobras, Coelho Filho detalhou a modelagem e o cronograma do processo. O texto será remetido hoje ao Palácio do Planalto e deve chegar ao Congresso Nacional, ainda nesta semana, como um PL em regime de urgência. A expectativa é vê-lo aprovado na Câmara dos Deputados antes do recesso parlamentar de fim de ano e no Senado ainda no primeiro trimestre de 2018.

A aprovação requer maioria simples e 55,4% dos deputados se declaram favoráveis à privatização, indica sondagem contratada pelo governo junto à FSB Pesquisa e concluída no dia 30 de outubro. Apenas 32,4% rejeitam a perda de controle. O restante não soube opinar ou relata que ainda não tem opinião formada.

Com o projeto sancionado, a Eletrobras convocará uma assembleia geral de acionistas para junho. A União se absterá de votar. “Queremos evitar a repetição do que aconteceu com a MP 579”, afirmou o ministro, referindo-se à malfadada medida provisória assinada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2012. Naquela ocasião, o governo fez valer sua voz como acionista majoritário e a estatal concordou com a renovação antecipada de suas usinas hidrelétricas, contrariando os minoritários. A decisão foi questionada pelos pequenos investidores e houve condenação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas sem consequências práticas.

Em tese, a partir da assembleia de acionistas, a operação para aumento de capital da Eletrobras poderia ocorrer imediatamente. O governo prefere, no entanto, fazer um “road show” para divulgar a operação e esperar as férias de verão no Hemisfério Norte. “Há grande interesse do mercado. O perfil vai ser muito de fundos de investimentos, fundos de pensão, investidores externos”, disse Coelho Filho. Pelo cronograma desenhado, a capitalização ocorreria apenas em outubro ou novembro de 2018, ao término das eleições.

Uma “golden share” será preservada para impedir que decisões estratégicas sejam tomadas à revelia da União. Essa ação de classe especial, que já existe na Vale e na Embraer, vai assegurar a permanência das sedes de cada subsidiária nas atuais cidades: Furnas no Rio de Janeiro, Chesf em Recife, Eletronorte em Brasília, Eletrosul em Florianópolis.

O modelo prevê ainda que nenhum acionista terá condições de fazer oferta hostil para a compra da companhia. O voto de cada acionista – inclusive da União – ficará limitado a um teto de 10% do capital, conforme havia antecipado o Valor na semana passada. Isso garantirá um controle pulverizado. Haverá cláusulas impedindo que grupos de acionistas se juntem em blocos para dar as cartas na empresa.

A previsão inicial do governo era arrecadar R$ 7,7 bilhões em 2018 com o bônus de outorga pago pela “descotização” de 14 usinas hidrelétricas da Eletrobras. Desde a MP 579, elas operam no regime de cotas e praticam preços muito baixos, capazes de garantir apenas sua manutenção. Com a mudança em lei, poderão receber tarifas de mercado. Em troca, vão pagar um bônus de outorga para o Tesouro.

No envio do projeto de lei orçamentária, a estimativa já foi revisada para R$ 12,2 bilhões. Esse valor engloba um novo contrato para a megausina de Tucuruí, no Pará, cuja concessão expira em 2024. Ela terá o vencimento antecipado e ganhará mais 30 anos de exploração. Com isso, o governo poderá cobrar outorga maior.

A prorrogação de Tucuruí já tem respaldo legal. Com base na Lei 9.074, de 1995, o governo pode estender os contratos de serviços públicos e receber por isso quando ocorre uma transferência dos ativos à iniciativa privada.

Coelho Filho fez questão de deixar claro, no entanto, que isso não faz parte de um eventual “plano B” para garantir receitas à União em caso de demora do Congresso em aprovar o projeto de lei. Até porque a base legal para essa prorrogação só existe no momento em que a Eletrobras se tornar privada. “Estamos trabalhando apenas com o plano A”.

O bônus de outorga será dividido em três partes. Apenas a da União – estimada em R$ 12,2 bilhões – será à vista. A segunda parte ficará com a própria Eletrobras e a terceira irá para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), o fundo que banca subsídios no setor. Ambas terão pagamento em prestações anuais. No caso da CDE, a expectativa do ministro é que isso seja suficiente para amortecer o impacto da alta de tarifas provocada pela “descotização”, deixando o aumento nas contas de luz “perto de zero”.

Otimista com a venda das seis distribuidoras atualmente controladas pela Eletrobras, em um processo que corre em paralelo à privatização da holding e deve ocorrer até abril, Coelho Filho disse ter recebido manifestações de interesse de pelo menos cinco grupos privados nos ativos: CPFL (comprada recentemente pela chinesa State Grid), Neoenergia, Equatorial, Energisa e Enel.

Para o ministro, um eventual desdobramento da venda é o avanço na consolidação do segmento. A italiana Enel venceu o leilão da goiana Celg e a Energisa ficou com as antigas distribuidoras do Grupo Rede, que sofreram intervenção em 2012.

Seis empresas estão sendo licitadas pela Eletrobras: Amazonas Distribuidora, Eletroacre, Ceal (AL), Cepisa (PI), Ceron (RO) e Boa Vista (RR).