Valor Econômico
28/07/2020

Projeto dava possibilidade de prorrogar por mais 30 anos os contratos em vigor

O novo marco regulatório do saneamento tem a ambição de chegar à universalização da oferta de serviços de água e esgoto dentro de 13 anos. Mas a tarefa não será fácil, como mostram os números mais recentes do IBGE. A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), divulgada na semana passada, mostra que, em quase 30 anos, a expansão desses serviços ficou bem aquém do ritmo necessário para se atingir a meta do marco regulatório no tempo fixado, mesmo que se concretize o fluxo de investimento privado. Além disso, a entrada em vigor do novo marco agora esbarra na discussão dos vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro ao projeto aprovado pelo Congresso, há um mês.

A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico mostrou que, em 2017, 99,6% dos municípios tinham abastecimento de água por rede, o equivalente a 5.548 municípios. Eram atendidos pela rede de água 59,8 milhões de domicílios, servindo quase 180 milhões de pessoas. No entanto 9,6 milhões de domicílios ainda não tinham por rede água, prejudicando cerca de 30 milhões de pessoas.

Em relação à coleta de esgoto, o quadro é bastante negativo. Dos 5.570 municípios existentes, não possuíam coleta de esgoto 2,2 mil em 2017, ou 39% do total. E dos 3,2 mil municípios com esgotamento sanitário por rede coletora, 49,5%, ou 1.588, descartavam os dejetos sem tratamento. O número de domicílios com rede de esgoto, 35,3 milhões, metade do total existente no país, é apenas ligeiramente superior ao de 34,1 milhões sem ligação com a rede.

A principal meta do novo marco legal do saneamento é garantir que até 2033 99% dos domicílios tenham água potável e 90% estejam conectados à rede coletora de esgoto. Se a meta para a água não deverá ser difícil manter, a do esgoto parece bastante ousada. Chegar a 90% de cobertura de coleta de esgoto significará quase dobrar o número de domicílios atendidos para 62,5 milhões – um crescimento de 77% em 13 anos. Nem de longe é isso que vem constatando a PNSB. Iniciada em 1989, ela registrou nos 28 anos até 2017 crescimento de 60,6% na cobertura da rede de esgoto, com média de 1,7% ao ano. O marco legal espera uma expansão ainda maior, na metade do tempo.

A aposta é que as novas regras estimulem o investimento privado, dada a absoluta escassez de recursos públicos. O novo marco legal abre espaço para a atuação do setor privado uma vez que acaba com os contratos atualmente estabelecidos entre municípios e estatais e passa a exigir a licitação do serviço. O Congresso prevê que a universalização do saneamento desencadeará de R$ 500 bilhões a R$ 700 bilhões em investimentos. Sempre otimista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê até R$ 800 bilhões, sem falar na abertura de 700 mil postos de trabalho.

Não só a universalização do saneamento parece difícil de atingir no prazo pretendido. Pequenos municípios sem volume suficiente para atrair empresas privadas poderão se organizar em blocos para contratar os serviços de forma coletiva, mesmo não sendo vizinhos. Mas não parece garantido que o mecanismo vai funcionar. Além disso, 58,6% dos municípios não têm plano de saneamento, pré-condição para a elaboração das licitações, conforme apontaram João Paulo Capobianco e Guilherme Checco, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) no Valor (30/6).

Outro ponto sensível da nova regra é a responsabilidade atribuída à Agência Nacional de Águas (ANA) de estabelecer diretrizes regulatórias nacionais na área. Hoje praticamente cada localidade tem suas regras para o assunto. Caberá agora ao órgão federal estabelecer metas de qualidade e universalização, bem como regras tarifárias que garantam o equilíbrio financeiro dos contratos. Sua estrutura precisará ser fortalecida.

Mas são os onze vetos aplicados pelo presidente Jair Bolsonaro ao sancionar o novo marco regulatório os principais obstáculos à implementação do projeto, quando o combinado eram apenas três. Causou especial reação o veto ao artigo que permitia aos Estados e municípios, até março de 2022, prorrogar por mais 30 anos contratos atualmente em vigor. O presidente está certo. Ele disse em live que, se não deram bons resultados até agora, as estatais de saneamento não deveriam sobreviver.

Os parlamentares articulam derrubar os vetos, mas o Congresso não sabe quando vai deliberar a respeito do assunto. Os vetos precisam ser derrubados nas duas Casas, por maioria absoluta (257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores), para ser promulgado à revelia do Executivo.