Valor Econômico
02/03/2020

A interação do governo federal com os governadores deve se concentrar nos projetos da agenda econômica e no bem-estar da população

Acostumado a exercer sucessivos mandatos eletivos como quem recebe a autorização popular para testar os limites das instituições e do Estado democrático de direito, o presidente Jair Bolsonaro encerrou a última semana com um gesto reconfortante para os que torcem por um estreitamento nas relações entre o Executivo e o Legislativo.

Na sua já tradicional transmissão semanal pelas redes sociais, Bolsonaro fez um apelo por serenidade e afirmou estar certo de que os chefes dos Poderes cada vez mais vão se ajustando. Afinal, prosseguiu ao seu estilo, é se afinando a viola que o Brasil decola.

À sua maneira, o presidente tenta colocar um fim à mais recente crise de seu governo com o Congresso. Desta vez, o impasse se dá na delimitação da margem que o Executivo terá na gestão orçamento impositivo. Uma disputa que já começava a contaminar outras propostas em tramitação, muitas delas de interesse do Executivo, dos Estados e da iniciativa privada.

Esse mesmo tipo de gesto deveria ser feito pelo presidente da República em direção aos governadores de todos os Estados e partidos políticos. Afinal, não são poucas as competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, segundo estabelece a Constituição Federal.

A primeira delas é justamente zelar pela guarda da Carta, das leis e das instituições democráticas, além de conservar o patrimônio público. Outra atribuição comum é cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

Está nesse rol a proteção de bens de valor histórico, artístico e cultural, monumentos, paisagens e sítios arqueológicos. O constituinte não se furtou a determinar que todos esses entes proporcionem meios de acesso à cultura, à educação e a ciência, tecnologia e inovação.

Apesar dos desencontros federativos em relação às políticas públicas para a Amazônia, também foi incluída nesse trecho da Constituição a proteção do meio ambiente e o combate à há 3 horas poluição, assim como a preservação das florestas, da fauna e da flora. A segurança pública, a promoção de programas habitacionais, a melhoria do saneamento básico, a agropecuária e o combate à pobreza tampouco foram esquecidos.

Uma missão hercúlea. Até agora, contudo, a relação de Bolsonaro com parte considerável dos Estados vem sendo tumultuada. Não são poucos os atritos entre o presidente e os governadores desde janeiro do ano passado.

Em alguns casos, notadamente Rio de Janeiro e São Paulo, os cenários projetados pelo presidente em relação às eleições de 2022 parecem ter sido o fator determinante para a deterioração das relações entre o Palácio do Planalto e essas unidades da federação. Felizmente, observa-se uma interrupção dessas hostilidades nos últimos dias, em meio à comprovação do primeiro caso de doença provocada pelo coronavírus no país, justamente na capital paulista. É essencial que o governo federal tenha total entrosamento com o Estado de São Paulo e todos os demais entes subnacionais nesse enfrentamento. Do contrário, toda a população brasileira tem a perder.

Outra agenda que demanda melhor articulação federativa é a preservação da Amazônia. Conforme noticiado nas últimas semanas, os governadores da região foram surpreendidos pela informação da criação do Conselho da Amazônia e da Força Nacional Ambiental. Como resultado, enquanto as ações de ambas as instituições federais não são conhecidas, os governadores vão tocando programas e ações próprias sem um esperado diálogo institucional com Brasília.

Também não foram poucas as críticas trocadas entre o presidente e os governadores do Nordeste, região onde a oposição mantém grande poder político. O mais recente desentendimento se deu em relação à Operação de Garantia da Lei e da Ordem no Ceará, Estado que precisou receber o apoio federal devido à greve de sua polícia militar.

Na semana passada, enquanto comentava a situação no Ceará durante a mesma transmissão nas redes sociais em que acenou ao Congresso, o presidente novamente cobrou apoio para aprovação da proposta do excludente de ilicitude. Ele voltou a argumentar que o dispositivo, em tramitação no Legislativo e alvo de críticas de alguns setores da sociedade, daria mais amparo legal a quem participa das chamadas GLOs. A interação do governo federal com os governadores de fato precisa melhorar, mas seu foco precisa ir além do excludente de ilicitude. Deve se concentrar nos projetos da agenda econômica e no bem-estar da população.