Folha de São Paulo
20/07/2020

Por Iara Lemos

Para evitar desgaste com governo, presidente do Senado retarda votação enquanto tenta mais um mandato à frente da Casa

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fez movimentos para colocar na geladeira dois vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) considerados cruciais pelo governo: o do novo marco legal do saneamento e o que trata da desoneração da folha de pagamento.

Havia uma expectativa de que Alcolumbre colocasse os vetos em apreciação nesta semana, sobretudo depois de ele mesmo criticar as medidas do Planalto em relação ao saneamento.

Entre os vetos está o que permitia renovação de contratos de estatais por mais 30 anos, um ponto que pegou os congressistas de surpresa.

Nesta segunda-feira (20), o presidente do Senado suspendeu a reunião com os líderes partidários, evitando uma cobrança sobre o tema. Não há data marcada para discutir os vetos.

Nos bastidores, senadores alegam que, ao segurar essa votação, ele busca garantir apoio para mais um mandato à frente da Casa, como o do líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO).

A Constituição veda a reeleição na mesma legislatura. Entretanto, Alcolumbre articula a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que promova uma mudança na Carta para permitir a reeleição numa mesma legislatura.

A outra hipótese para Alcolumbre é mudar o regimento interno do Senado, o que é considerado juridicamente questionável. Para ambos, ele precisa de apoio governista.

Para derrubar o ato de Bolsonaro é necessário o voto da maioria absoluta das duas Casas —257 deputados e 41 senadores. Como presidente do Congresso, Alcolumbre é quem marca a sessão.

“O Davi, ao evitar colocar os vetos em apreciação, está agindo de olho é na reeleição dele. Os principais avalistas do governo são o Davi (Alcolumbre) e o Centrão”, disse o líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP).

Os vetos ao marco do saneamento e o que trata da desoneração da folha de pagamento integram uma relação de mais de 30 vetos do presidente a propostas aprovadas pelo Congresso ao longo de um ano e meio.

Nestes dois casos específicos, o governo não tem apoio para a manutenção.

Ao ganhar mais tempo, o governo tenta construir uma proposta que garanta alterações em tributos e compensação tributária, sem com isso derrubar o veto à desoneração da folha de pagamento.

Os congressistas querem manter o benefício fiscal às empresas, mas admitem que a derrubada do veto pode ser prejudicial aos cofres públicos. A desoneração envolve 17 setores até o fim de 2021.

O povo [senadores] já entendeu que dar isenção sem saber por quanto tempo e de onde sairia esse recurso é irresponsável. Agora, o Davi não pode fugir dos compromissos parlamentares que ele tem”, disse o senador Esperidião Amin (PP-SC).

Para senadores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já manifestou que o governo tem interesse de manter a desoneração, mas a dificuldade no momento seria encontrar as formas de compensação.

O governo estima que, por ano, deixaria de arrecadar R$ 10,2 bilhões com a isenção.

O líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), encaminhou uma proposta de negociação do partido em troca da manutenção de alguns dos vetos que aguardam análise.

A sugestão foi enviada ao líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que não se manifestou.

Alencar também não conseguiu conversar com Alcolumbre.

“Não é só culpa do Davi, mas do governo que ainda não tem uma proposta para apresentar para mantermos os vetos. Saneamento e desoneração o governo não tem votos para segurar”, afirmou Alencar.