Valor Econômico
24/03/2020

Por Ana Paula Ragazzi

Maioria das debêntures que está nas carteiras dos fundos de crédito privado foram emitidas por grandes empresas

A maioria das debêntures que está nas carteiras dos fundos de crédito privado foram emitidas por grandes empresas, com os menores riscos de crédito. É por essa razão que gestores não esperam grandes problemas de inadimplência para esses portfólios. No entanto, a crise atual é sem precedentes e não é possível descartar eventos isolados. Mas nesse caso, em função do problema sistêmico, a percepção de gestores e analistas é que haverá mais boa vontade de negociação de credores para aquelas que tiverem problemas.

A preocupação maior é com empresas pequenas e médias que recentemente vinham acessando mais o mercado de capitais, mas na maioria dos casos esses papéis foram encarteirados pelos bancos estruturadores ou por investidores mais especializados.

No portfólio dos fundos, estão papéis de empresas de saneamento, teles e elétricas, que terão de dar sua contribuição na crise, liberando serviços, protelando cobranças ou talvez perdoando dívidas, mas nada que afete a capacidade financeira, sob a análise de hoje.

O fato de esses fundos comprarem empresas com ratings “AAA” ou “AA”, explica um gestor, significa que elas possuem caixa suficiente para pagar o serviço da dívida por pelo menos um ano – por isso, não preocupam.

Essa seria uma regra geral, mas obviamente que, numa crise como a atual, existem setores e companhias mais expostos. O exemplo mais preocupante é o setor de aviação. No entanto, nenhuma companhia aérea tem debêntures emitidas aqui – elas se financiam via leasing, bancos ou bônus externo.

O segundo setor mais óbvio a causar temores é o de turismo, momentaneamente aniquilado pelo coronavírus. A empresa puramente atrelada a ele e com debêntures emitidas aqui é a CVC, que, antes mesmo desse problema, já enfrentava uma “tempestade perfeita”, com a alta do dólar, o óleo nas praias do Nordeste brasileiro e os indícios de erros em seu balanço. Procurada, a CVC afirmou que é uma empresa de 48 anos e sua saúde financeira é sólida, assim como a relação com seus parceiros comerciais, fornecedores e clientes. Em período de silêncio, pela divulgação de balanço, não comentou dados financeiros.

Segundo os últimos dados da CVC, de setembro de 2019, a situação era bastante confortável. O caixa estava em R$ 420 milhões, além de existir R$ 3,2 bilhões em uma carteira de contas a receber, em grande parte de compra parcelada de viagens em cartão de crédito, recebíveis que podem ser antecipados, se necessário. A dívida de curto prazo era de R$ 36 milhões. O problema maior é o futuro, diretamente relacionado ao tempo de duração da pandemia.

Outro setor que traz inquietação aos investidores é o varejo de moda, duramente afetado pelo afastamento social. E, nesse caso, o exemplo a ser acompanhado mais de perto é o da Restoque, que já vem de alguns trimestres de vendas fracas e consumo de caixa. Procurada, a empresa não retornou.

São dois papéis que, pela falta de visibilidade, seriam hoje difíceis de precificar. Ao mesmo tempo se essas empresas tiverem dificuldades em cumprir covenants, tendem a ter mais espaço de renegociação com credores.

Locadoras de veículos e operadoras de shoppings não preocupam, pois pelos tamanhos das operações e situação financeira, os analistas de crédito acreditam que o impacto para elas é do tipo que é absorvido pelos acionistas, não pelo credor, pois não será necessária a suspensão de pagamentos.