Acionistas reagiram mal após troca de comando

Folha de São Paulo

17.mai.2018 às 2h00

Na semana subsequente ao anúncio de minha saída da presidência da Sabesp, o valor da companhia na Bolsa caiu R$ 3,4 bilhões (15%). Ocorreram três eventos nesses cinco dias que serão brevemente explicados para que se possa avaliar quanto cada um deles contribuiu para a queda.

Primeiro, divulgou-se a decisão do governo do estado de trocar o comando da Sabesp. Os acionistas reagiram com desconfiança. Afinal, ao longo de minha gestão de exatos 40 meses, a Sabesp logrou vencer a crise hídrica, melhorou a abrangência e a qualidade dos serviços. O valor da ação mais que dobrou.

Por que mexer no time que estava vencendo? Seria devido ao meu desgaste com alguns prefeitos que acham que a Sabesp deve perdoar dívidas e pagar externalidades sem viabilidade econômica?

Se a pessoa indicada para me substituir fosse alguém com perfil inadequado, poder-se-ia temer por uma inflexão no rumo da Sabesp. Porém, é o contrário. A minha sucessora, Karla Bertocco, é profissional competente, com excelente currículo, que certamente manterá a Sabesp no caminho para melhor servir à população e aos acionistas.

Ela continuará os esforços que fizemos juntos para capitalizar a Sabesp e melhorar ainda mais a governança da companhia. Ou seja, a troca de comando não explica a queda.

Segundo, divulgaram-se os resultados do primeiro trimestre de 2018 contendo a informação de que o lucro líquido diminuiu em relação a igual período do ano passado. Porém, como o declínio teve origem na variação cambial e não na geração de caixa —a qual, aliás, melhorou—, certamente esse pequeno revés tampouco explica a queda.

Terceiro, a Arsesp (agência reguladora) liberou o relatório referente à segunda revisão tarifária, que resultou no reposicionamento tarifário de 3,5%. Esse, sim, foi um banho de água fria tanto para os acionistas quanto para nós da Sabesp. Não pelo percentual em si, mas sim pelas inconsistências metodológicas do relatório.

Em apertada síntese, a Arsesp, ao se preocupar excessivamente com a “modicidade tarifária”, mudou a regra do jogo retroativamente, o que tornou o passado incerto.

Para mim, foi uma desagradável surpresa. Afinal, a Arsesp tem evoluído muito e é hoje uma das melhores agências de regulação de saneamento do país. Tivemos ao longo desses 40 meses uma saudável interação, que forçou a Sabesp a melhorar seus processos para se qualificar como entidade regulada.

Naturalmente, tanto Arsesp quanto Sabesp têm ainda muito a fazer para atingir o padrão de relacionamento entre regulador e regulado que se observa em ambientes regulatórios maduros, estruturados em torno de serviços já universalizados.

No Brasil, o setor de saneamento ainda não atingiu tal maturidade. No caso da Sabesp, embora os serviços estejam entre os melhores do país, muito investimento ainda precisa ser feito para que se atinja a universalização num prazo razoável, digamos, em dez anos.

Como a Sabesp não recebe repasses fiscais (dinheiro de impostos), o investimento necessário para atender as camadas desassistidas depende do lucro. Coerentemente, a política de dividendos estabelece que, enquanto não se atingir a universalização, a parcela do lucro distribuída aos acionistas é só a mínima exigida por lei. Todo o resto é reinvestido.

No contexto da relação Arsesp-Sabesp, há uma óbvia contradição entre “modicidade tarifária” e “universalização”. O primeiro objetivo privilegia os com-serviço, e o segundo os sem-serviço. A Arsesp optou pela ortodoxia metodológica, a qual, na prática, protege os com-serviço.

É claro que o capital necessário para investimentos em saneamento deveria ser suprido pelos acionistas —principalmente pelo governo estadual, no caso de estatal— e não pelos consumidores. Na teoria, tudo certo. Na prática, tendo em vista a situação fiscal do país, tudo errado.

Jerson Kelman

Ex-presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de SP – 2015 a 2018, governo Alckmin) e ex-diretor da ANA (Agência Nacional de Águas – 2001 a 2004, governos FHC e Lula)