A área com pior infraestrutura no País é o saneamento básico       

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

02 de abril de 2019 | 03h00

A área com pior infraestrutura no País é o saneamento básico e, a depender do que tem sido feito nos últimos anos, o brasileiro terá de conviver com essa absurda realidade ainda por muitas décadas. No ritmo atual de investimento nessa área, o Brasil terá uma rede de cobertura nacional de água e esgoto apenas em 2060, informa estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Anualmente são investidos cerca de R$ 10 bilhões em ações de saneamento básico.

Trata-se de uma vergonha nacional. Quase metade da população do Brasil não tem acesso à coleta de esgoto. Ou seja, cerca de 100 milhões de pessoas vivem, em pleno século 21, em ambiente insalubre e totalmente vulnerável a doenças que poderiam ser facilmente evitadas. A falta de água tratada aumenta a incidência de infecções gastrointestinais, principalmente em crianças e idosos. No caso de ausência de rede de esgoto, além do aumento de infecções, verifica-se maior incidência de doenças transmitidas por mosquitos e animais.

Aprovado em 2014, o atual Plano Nacional de Saneamento Básico estabelece como meta a universalização do abastecimento de água até 2023 e o atendimento de 92% da população com rede de esgoto até 2033. Já se vê que não será cumprido, num grave risco de perpetuar números que são estarrecedores. Pelo menos 35 milhões de brasileiros vivem sem abastecimento de água encanada nas periferias do País. Realidade especialmente preocupante é o fato de que 2,1% da população não dispõe de nenhuma forma de esgotamento sanitário. Isso significa que cerca de 4,4 milhões de pessoas têm de defecar a céu aberto.

De cada 100 litros de esgoto lançados diariamente no meio ambiente, 48 litros não são coletados. Além disso, parte do esgoto coletado não é tratada. Estima-se que, por dia, 1,5 bilhão de metros cúbicos de esgoto coletado não é tratado.

É um erro pensar que essa lamentável situação seria o resultado das condições econômicas do Brasil, como se um país em desenvolvimento tivesse de conviver com essa carência de infraestrutura. No Chile, por exemplo, 99,0% das casas têm acesso à água e 99,1% dispõem de acesso ao serviço de esgoto. Na África do Sul, os porcentuais são de 93,2% e 66,4%, respectivamente. Não há desculpa para o Brasil seguir ostentando uma realidade tão lamentável.

Mesmo sendo insuficientes os investimentos feitos em infraestrutura de saneamento, a tendência recente é de queda nesses aportes. “O mais preocupante é que os investimentos caíram nos últimos dois anos”, alerta Ilana Ferreira, especialista em infraestrutura da CNI.

É urgente reverter esse quadro, seja por razões humanitárias básicas, seja pelos reflexos do saneamento no desenvolvimento econômico e social. A ONU reconhece que o acesso a uma rede de água e esgoto é um direito humano fundamental, decorrente da própria dignidade humana. Ninguém pode ser submetido a um tratamento desumano – e é desumano ter, por exemplo, de defecar a céu aberto.

São conhecidos também os ganhos econômicos e sociais proporcionados por uma infraestrutura de saneamento minimamente razoável. Os estudos destacam efeitos positivos especialmente nas áreas de saúde, educação, produtividade, turismo e valorização imobiliária. Ao listar as muitas evidências dos efeitos positivos do saneamento para a economia e a vida social, o Instituto Trata Brasil lembra, por exemplo, da correlação entre saneamento básico e aproveitamento escolar. Quem mora em residência sem acesso à água e ao serviço de coleta de esgoto tem, em média, uma escolaridade 25,1% menor do que aqueles que têm acesso integral ao saneamento. Exigir uma melhor educação de qualidade, ponto nevrálgico para o País, deve incluir também a preocupação com a urgente universalização da rede de água e esgotos.

O Brasil não pode esperar até 2060 para ter uma rede de cobertura nacional de água e esgoto. Os males e os custos de tal demora são muito grandes. Saneamento deve ser absoluta prioridade.