Por Pietro Erber – Valor Econômico

26/06/2018 – 05:00

O adiamento da alienação do controle acionário da União na Eletrobras apresenta ao governo a oportunidade de concentrar sua atenção na definição do modelo do setor elétrico, no qual o papel dessa holding não será um mero detalhe. O governo deve saber e qualquer futuro controlador precisa saber qual será esse papel.

Gestores, investidores, consumidores, financiadores, agentes governamentais do setor elétrico têm sua atuação limitada pela falta de definição da política energética do país e do modelo de seu setor elétrico, que oriente sua inserção no quadro energético e na economia do país.

O setor de energia elétrica deverá responder às oportunidades e desafios decorrentes de transformações tecnológicas, requisitos sócio-ambientais, disponibilidade de fontes primárias e novas utilizações da energia elétrica. Frente às dimensões e diversidade do mercado e dos recursos energéticos do país, a formulação do modelo do setor elétrico também requer que se leve em conta as condições e perspectivas do mercado mundial de energia.

A definição de prioridades de projetos e atividades deverá considerar que a disponibilidade física, a acessibilidade econômica e a aceitabilidade sócio-ambiental são requisitos básicos do suprimento de energia. Dado que a qualidade do fornecimento e a acessibilidade dos seus preços constituem exigências básicas dos consumidores e da economia, é necessário compatibilizar a segurança com a aceitabilidade de seus custos econômico-financeiros e sócio-ambientais.

Embora o mercado deva continuar a ter papel fundamental nas decisões de planejamento e comercialização, a regulamentação do setor deveria promover a transparência das decisões em relação às respectivas consequências, fazendo com que os preços que orientam as primeiras reflitam os custos para os consumidores e sobretudo, para a sociedade. Parte dos custos hoje considerados sistêmicos deveriam ser alocados aos respectivos responsáveis. A precificação de externalidades também contribuiria para a melhor orientação dos investidores e dos consumidores e para reduzir custos hoje arcados pela sociedade.

Para assegurar a sustentabilidade sócio-ambiental e a viabilidade econômica da oferta de energia elétrica, grandes contingentes de energias de baixo nível de emissões de gases de efeito estufa deverão integrar racionalmente o sistema interligado nacional (SIN). Também nesse sentido, o potencial de aumento da eficiência na oferta e na utilização da energia deverá ser explorado com a devida prioridade. Ambos contribuirão para reduzir impactos ambientais bem como os preços finais de fornecimento, embora estes dependam tanto do planejamento da oferta quanto de políticas fiscais e de medidas regulatórias que afetem os riscos incorridos pelos agentes do setor.

Em princípio, todas as fontes primárias de energia poderão ser utilizadas para gerar energia elétrica. No entanto, urge estabelecer critérios para comparação de alternativas, de modo a levar em conta as respectivas características e externalidades, para que a totalidade de seus custos seja computada e que a propalada importância de evitar determinados impactos sócio-ambientais não passe de um discurso vazio.

Pode-se prever que haverá redução da participação da energia hidrelétrica, forte expansão das energias eólica, solar e da biomassa, significativa contribuição do gás natural e aumento da participação das fontes distribuídas, particularmente da energia solar fotovoltaica e da cogeração. O desenvolvimento de sistemas de comunicação e controle ensejará ganhos de eficiência, por aproveitar sinergias entre oferta e demanda, como na interação das baterias dos veículos elétricos com as redes elétricas, bem como a flexibilidade da demanda e a geração própria de alguns consumidores, de modo a acomodar variações de oferta pouco previsíveis.

A definição de novo modelo setorial deveria, além de aprimorar aquele ora vigente, mediante alterações de regras e procedimentos que prejudiquem a participação de importantes agentes do setor, considerar os requisitos decorrentes das atuais perspectivas de evolução energética do país, de sua inserção internacional e das oportunidades proporcionadas pelas inovações tecnológicas.

O setor elétrico carece de importantes alterações, seja nos critérios de comercialização da energia e demanda, seja naqueles de planejamento, para que as prioridades de investimento considerem os custos das externalidades sócio-ambientais envolvidas nas alternativas que se apresentem.

Dentre esses desafios para a formulação de novo modelo do setor elétrico, será desejável simplificar e racionalizar certas relações econômico-financeiras fundamentais entre seus principais agentes, bem como remover conceitos que prejudicam sua atratividade para novos investidores. Entende-se que essas relações devam, tanto quanto cabível, refletir o que ocorre no plano físico do setor, com suas características históricas e provável evolução.

Destaca-se aí a variabilidade da energia garantida e a alocação do risco hidrológico, a precificação da energia de fontes intermitentes, que deveria incluir aqueles de sua inserção no sistema e os requisitos regulatórios para que a ampliação do mercado livre seja feita sem prejuízo dos consumidores cativos e do atendimento de todo o mercado.

A sustentabilidade econômico-financeira das concessões e dos projetos constitui outra prioridade, sobretudo tendo em vista as crescentes incertezas provenientes da natureza das fontes exploradas e do contexto global que influencia preços e disponibilidade de recursos financeiros.

O modelo poderia inovar também no tocante às estruturas de governança do setor. Poderia conferir mais autoridade e competência aos Conselhos e Agências Reguladoras, estimular a eficiência energética e atribuir ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a definição de elementos que orientem o planejamento da expansão e permitam avaliar externalidades na comparação de projetos, como os custos das emissões de gases de efeito estufa e aqueles relacionados à relocação de populações e uso da terra.

Além de considerar a necessidade de compatibilizar o custo da energia com as necessidades e disponibilidades do país, caberia ao CNPE definir parâmetros referentes à operação do SIN e de sistemas isolados, de modo a evitar intervenções na política de operação de curto prazo. Permitiriam, por exemplo, que o despacho de usinas fora da ordem de mérito fosse decidido pelos próprios agentes de operação, em benefício da previsibilidade e transparência para os demais agentes setoriais e para os consumidores.

Para tanto, será necessário o envolvimento de especialistas capazes de dar a orientação técnica e o encaminhamento dessas questões vitais para o desenvolvimento do setor energético, quer junto ao mercado consumidor quer junto às autoridades das quais dependa sua institucionalização.

Nota: O autor agradece a Marcos J. Marques e a Marco Aurélio P. Carvalho pelas sugestões recebidas

Pietro Erber é diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética