Por Sergio Adeodato – Valor Econômico

22/03/2019 – 05:00

A demanda por reduzir o desperdício hídrico nas cidades motivou o negócio da administradora Marília Lara e do engenheiro de robótica Antônio Oliveira no campo da inteligência artificial: um “ouvido biônico” com capacidade de detectar vazamentos na rede de distribuição três vezes mais rápido do que métodos convencionais, reduzindo perdas. “Como os aplicativos que ‘ouvem’ e identificam músicas nos smartphones, o sistema de sensores flagra automaticamente o problema ao longo do caminho da água com maior eficiência”, explica a sócia da startup Stattus4, de Sorocaba (SP).

“Como resultado, temos mais dados para a tomada de decisão e menos recursos extraídos da natureza”, aponta Lara. A varredura da rede com a tecnologia, empregada hoje em 26 municípios, é exemplo da união entre internet das coisas (IoT) e sustentabilidade, no cenário das cidades inteligentes. Ao identificar pelo áudio vazamentos e ligações clandestinas em até dez segundos, o sistema permite que apenas os pontos suspeitos do mapa sejam alvos de uma análise mais detida pelos técnicos.

O equipamento se acopla a sensores que controlam a pressão da água nas tubulações, o que possibilita melhor gestão da rede e menos perdas. “O próximo passo será integrar as tecnologias aos hidrômetros em larga escala para leitura do consumo, pressão e vazamentos de uma só vez”, conta a empreendedora, na expectativa de aumentar o alcance do monitoramento e reduzir pela metade o desperdício médio nas cidades. O Plano Nacional de Saneamento Básico tem como meta diminuir as perdas na distribuição de água de 39% para 30% até 2035.

O objetivo de disseminar soluções em maior escala chega também ao tratamento de esgoto, como é o caso de estações compactas com arquitetura de maior eficiência em relação às tradicionais fossas-filtro, voltada a qualquer tamanho de estabelecimento, tanto residências como indústrias. “A praticidade e o baixo custo viabilizam a cobertura em áreas isoladas da rede coletora, como na zona rural e em regiões da Amazônia, indispensável para o país universalizar o saneamento”, afirma o empresário Daniel Vecchi, com capacidade de produção de 600 unidades por mês, em Caraguatatuba (SP).

Além do menor consumo energético e da possibilidade de transformar efluentes em água de reúso para reduzir a captação nos rios, os módulos são construídos com plástico reciclado a partir de resíduos industriais. “O projeto agora é também utilizar como matéria-prima garrafas e outras embalagens descartadas pelos consumidores”, revela o engenheiro ambiental.

No semiárido nordestino, a convivência com a seca inspira soluções de acesso à água, a exemplo das cisternas com miniplacas, diferentes dos modelos convencionais por aumentar em cerca de 60% a capacidade de captação da chuva. “A tecnologia, baseada em um acessório incorporado aos sistemas já existentes, pode ser transferida e replicada em outras regiões do país como negócio, inclusive no mercado da construção civil”, diz Eduardo Monte, fundador do Projeto Sitimi Labs, no Rio de Janeiro.

Nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a ONU preconiza a necessidade mínima de 110 litros de água por habitante ao dia, enquanto em algumas regiões brasileiras o índice é de oito litros – situação combatida pela difusão de tanques para armazenam água nos períodos chuvosos, no total de 1,3 milhão de unidades hoje existentes na região.

“A água é fundamental à sobrevivência e o acesso para consumo das famílias e produção rural tem potencial de transformar realidades” Asclepius Soares, presidente da Fundação Banco do Brasil (FBB), instituição que investiu na disseminação de cisternas no semiárido.

Em parceria com o BNDES, foram investidos até hoje R$ 340 milhões em 100 mil unidades. Inovações sociais também viabilizam o uso de dessalinizadores solares no sertão da Paraíba com capacidade de transformar água salobra em potável, incluindo o tratamento contra bactérias causadoras de doenças – solução vencedora do prêmio de tecnologias sociais promovido pela FBB no ano passado. Na edição de 2019, cujas inscrições estão abertas para instituições de todo o país, o desafio do acesso a recursos hídricos integra os quatro temas principais: cidades sustentáveis e inovação digital, educação, geração de renda e meio ambiente.