Por Daniel Rittner e Vandson Lima – Valor
26/04/2019 – 05:00

A MP 868, medida provisória que muda o modelo legal de exploração do saneamento básico, teve relatório apresentado ontem com mudanças importantes em relação ao texto enviado originalmente para o Congresso Nacional.

A alteração mais relevante, conforme o Valor antecipou na semana passada, incentiva a criação de “blocos de municípios” para a concessão dos serviços de água e esgoto. O relator da MP, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), introduziu a figura das “microrregiões” para novos contratos.

Publicada em dezembro, na última semana de gestão do ex-presidente Michel Temer, a medida provisória abre o
saneamento para maior exploração da iniciativa privada. Todos os municípios – que detêm a titularidade constitucional sobre a prestação dos serviços – ficam obrigados a lançar chamamentos públicos para novos contratos.

Com isso, as companhias estaduais de saneamento perdem o direito de preferência que exercem atualmente.

A ideia por trás disso é induzir o crescimento de concessionárias privadas e a universalização do saneamento e o
barateamento. Hoje, a cada 100 litros de esgoto lançados no ambiente todos os dias, 48 não são sequer coletados. E
aproximadamente 1,5 bilhão de metros cúbicos de esgoto coletado por dia – o equivalente a seis mil piscinas olímpicas – não recebe tratamento.

O principal impasse em torno da MP 868 gira em torno da atratividade dos serviços para a iniciativa privada. Críticos da medida provisória viam a possibilidade de investidores pegarem apenas municípios lucrativos e deixarem os deficitários com as companhias estaduais. Ou seja, o risco era ter basicamente o “filé” com privados e o “osso” com estatais.

Para minimizar esse risco, Tasso e o governo Jair Bolsonaro se alinharam em busca de uma solução intermediária. O novo texto atribui aos Estados o desenho de blocos de municípios para gerar ganhos de escala e viabilidade econômico financeira na prestação dos serviços.

A formatação caberá aos governadores, mas o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) – ao qual está vinculada a Secretaria Nacional de Saneamento – oferecerá “blocos de referência” para ajudar no planejamento. A estimativa oficial é que cerca de 400 microrregiões possam ser definidas em todo o país.

Uma preocupação da equipe econômica foi endereçada pelo relator. O dilema era o seguinte: se os governadores não
tiverem interesse em desenhar essas microrregiões, eles não poderão sentar em cima do assunto e adiar novos contratos, preservando o mercado de suas empresas estaduais?

Diante do problema levantado pelo Ministério da Economia, Tasso incluiu um prazo de dois anos para a apresentação das microrregiões. Caso isso não ocorra, o MDR ganhará poderes para definir como serão esses blocos.

Está mantida, no entanto, a exigência de chamamento público em cada um dos blocos. Acredita-se que, assim, não haverá mais “filés” e “ossos”. O mecanismo abre espaço para o crescimento das concessionárias privadas. E com isso,
indiretamente, favorece a privatização de empresas como a paulista Sabesp. Mas preserva as companhias estaduais de ficarem apenas com municípios deficitários. Os técnicos estão convencidos de que, assim, estatais mais eficientes podem inclusive sobreviver em cenário de competição.

Os integrantes da comissão mista que analisa a MP 868 pediram vista coletiva do parecer de Tasso. Ainda não há data para a próxima reunião. Com o feriado de quarta-feira, a expectativa é votar o texto na segunda semana de maio. A MP expira em 3 de junho.