Folha de São Paulo
06/02/2020

Por Fernando Canzian

Apesar de fatores positivos, empresários e investidores ainda temem que país possa quebrar

A recuperação econômica em curso é a mais lenta da história e oferece um paradoxo: fatores muito positivos são insuficientes para estimular empresários e investidores a ampliar suas apostas.

A inflação e os juros estão baixos, há US$ 360 bilhões em reservas, a nova Previdência foi aprovada e o Ministério da Economia é gerido por um liberal da Universidade de Chicago. O que mais é preciso?

A resposta é que a solvência do Brasil segue por um fio. O país ainda pode quebrar.

Como se mede isso? Pela relação direta entre o volume do endividamento público (a dívida bruta) e o tamanho da economia (o PIB).

Há seis anos, essa relação era pouco superior a 50%. Mas ela disparou e está hoje em 75,8%. Pior: seria de quase 80% se o Tesouro não tivesse levantado R$ 260 bilhões em créditos a receber do BNDES e na venda de parte das reservas em dólares no ano passado.

Ou seja, sem eventos extraordinários, que não vão se repetir, a trajetória da dívida pública é de elevação —apesar de todo o ajuste fiscal que já cortou o investimento público ao mínimo histórico.

O que causa isso? Cerca de 94% do Orçamento federal é consumido hoje por despesas obrigatórias resguardadas pela Constituição. Elas sobem consistentemente, todos os anos, acima da inflação —obrigando o governo a rolar e ampliar o endividamento.

Se a dívida aumenta, as empresas não investem, pois temem que o governo possa subir os impostos para pagá-la. Assim, o PIB não cresce.

Com o tempo, o mercado acabará cobrando mais juros de um governo que se endivida sem parar —aumentando a dívida. O ciclo é vicioso: o PIB cai ou não cresce; a dívida sobe; a relação dívida/PIB piora.

A reforma da Previdência resolveu parte do problema. Antes dela, o gasto previdenciário subia 5% ao ano além da inflação. Agora, aumenta 2,5%, mas o suficiente para, ano após ano, comprimir ainda mais o Orçamento.

A chave para escapar da insolvência são alguns projetos que o Congresso deve analisar neste primeiro semestre, sendo a chamada PEC da emergência fiscal o principal deles.

No limite, ela permitirá que governo federal, estados e municípios cortem a jornada (e o salário) de servidores e congelem reajustes. Não se trata de demitir ninguém, mas de reduzir horas e rendimentos em busca de equilíbrio orçamentário —algo trivial no mercado de trabalho privado.

O futuro da proposta depende dos parlamentares, sobretudo do empenho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), como a aprovação da Previdência mostrou.

Após recuar de sua pré candidatura à Presidência da República em 2018, Maia é visto hoje como uma espécie de primeiro-ministro de um “parlamentarismo branco” —ao ponto de se sentir à vontade até para chamar de desastre a gestão da Educação.

 Seu principal problema é que ele presidirá a Câmara só até janeiro de 2021, quando voltará à “planície” do plenário geral da Casa.

Maia foi eleito deputado federal pelo Rio em 2018 sem votação expressiva: 74.232 votos (0,96% dos válidos); os dez mais votados no estado obtiveram mais de 100 mil votos. A hora certa para o seu protagonismo, portanto, é agora.

O presidente da Câmara terá um incentivo poderoso junto a seus pares. Com a aprovação do chamado Orçamento impositivo, no ano passado, tornou-se obrigatória a destinação de parte das receitas da União às emendas das bancadas parlamentares. Elas geralmente são utilizadas para levar obras aos estados, o que rende votos em eleições.

Como o Orçamento está cada vez mais comprimido por gastos obrigatórios (os 94% citados acima vão virar 100% em poucos anos) e existe uma “regra de ouro” constitucional que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes, não é pequeno o estímulo para que os parlamentares aprovem a PEC da emergência fiscal.

No fundo, além da solvência do país, é a sobrevivência política deles que está em jogo.