Valor Econômico
06/02/2020

Por Anaïs Fernandes

Ingresso de recursos na indústria para essas operações ficou em US$ 9,9 bilhões em 2019

Num cenário de falta persistente de dinamismo da indústria brasileira, somado à queda da produção no ano passado, o setor ficou menos atrativo aos olhos do investidor internacional. Em 2019, o volume de investimento estrangeiro direto no país (IDP) para operações de participação no capital no setor atingiu US$ 9,9 bilhões, uma queda de 41% em relação aos US$ 16,8 bilhões de 2018. Esse é o menor nível registrado pelo setor desde 2006, início da atual série, quando ingressaram US$ 8,5 bilhões.

Com o resultado, os recursos internacionais para participação no capital no segmentos de agricultura, pecuária e extração mineral, que avançaram 54% e somaram US$ 13,1 bilhões em há 3 horas 2019, superaram os da indústria pela primeira vez no período.

Os aportes no segmento de serviços, que concentram o grosso dos investimentos, também cresceram, de US$ 20,6 bilhões em 2018 para US$ 25,7 bilhões no ano passado.

As operações de participação no capital consideram os ingressos de recursos estrangeiros para compra, aumento ou subscrição total ou parcial do capital social de empresas residentes no país, de acordo com a definição do Banco Central (BC). Nos dados acima, o reinvestimento de lucros pelas próprias companhias está excluído. No total, os ingressos de investimentos diretos para participação no capital avançaram US$ 2,8 bilhões no ano passado, para US$ 49 bilhões.

“Foi um ano de frustração para o setor industrial. A produção física encolheu. Mesmo retirando o efeito da indústria extrativa [que caiu 9,7% em 2019], a de transformação ficou estagnada [alta de 0,2%]. Desse ponto de vista, a indústria tem pouca atratividade, os investimentos feitos em 2018 passam e há uma pisada de freio bastante forte”, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Como a conta do IDP por participação no capital não inclui os lucros reinvestidos pelas unidades locais em sua própria produção, essa métrica é uma forma de monitorar o “dinheiro novo” que chega do exterior aos setores produtivos nacionais, na visão de Cagnin.

“Embora em termos de volume o investimento externo tenha participação menor, é um bom indicador de tendência, das expectativas e de solidez econômica do setor sob a ótica do investidor internacional. E o que há é um desinteresse do estrangeiro pela produção industrial nacional”, diz o economista Guilherme Magacho, professor da Universidade Federal do ABC e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV).

A redução nos recursos estrangeiros à indústria foi puxada pelo setor automotivo, cujos investimentos para participação no capital caíram quase pela metade, de US$ 4,5 bilhões para US$ 2,5 bilhões no ano passado.

A indústria automobilística sofreu com a crise na Argentina, que passou por uma forte recessão. Nesse quadro, as exportações de veículos de passageiros ao país vizinho recuaram 49% em 2019, para US$ 1,95 bilhão, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia.

Apesar disso, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) argumenta que a perda de investimentos externos está ligada a outros fatores. Segundo a entidade, houve grande destinação de recursos das matrizes para socorrer filiais brasileiras durante a mais recente recessão. Números do Banco Central mostram que os investimentos estrangeiros diretos para participação no capital ao segmento subiram de US$ 2,9 bilhões em 2014 para US$ 6,6 bilhões em 2016.

Após três anos de recuperação, ainda que tímida, a necessidade de aportes diminuiu e tende a ser ainda menor em 2020, de acordo com a Anfavea. Isso porque a indústria automotiva enfrenta, em nível global, desafios que demandam fortes investimentos em tecnologia (como em carros elétricos e autônomos), e o momento para as montadoras brasileiras é de trabalhar com o caixa gerado localmente, diz a Anfavea.

Para Cagnin, ao menos parte dessa queda nos recursos estrangeiros à indústria automotiva pode ter relação com a crise na Argentina. “O ramo automotivo perdeu muito na crise e a recuperação foi frágil. A exportação era uma engrenagem positiva de recuperação, mas essa engrenagem parou e isso faz o setor menos atrativo para investimento”, afirma o economista.

Também houve recuo considerável dos ingressos de investimento estrangeiro para participação no capital no setor de produtos químicos, de US$ 2,4 bilhões em 2018 para US$ 912 milhões no ano passado, uma queda de 61%. No segmento de celulose e papel, a retração foi de 37,5%, para US$ 1,25 bilhão no ano passado.

O cenário de fortalecimento do dólar em relação ao real também jogou contra parte da indústria que tem como destino final de sua produção o mercado interno e depende de insumos importados, segundo Magacho. “Com a desvalorização da moeda, aumenta o custo de produção e a rentabilidade cai bastante”, afirma. “Se no médio prazo isso conseguir estimular cadeias de insumo nacionais, pode reverter o quadro. Mas, no curto prazo, a matriz e o estrangeiro olham e não pensam em investir.”

Enquanto os recursos à indústria encolhem, o setor agropecuário e o extrativo ganharam espaço. Cagnin calcula que sua fatia no ingresso total de investimentos diretos no país por participação no capital foi de 18% na média de 2008 a 2014, contra 36% da indústria. Na média de 2019, a participação do setor agrícola subiu para 27% e ultrapassou a indústria, cuja fatia caiu para 20%.

Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, diz que os dados refletem a importância que as commodities adquiriram no Brasil nos últimos anos. “Serve também de avaliação de que os setores commoditizados são geradores de investimentos que levam a aumento de produtividade. A agropecuária, por exemplo, teve taxas de crescimento da produtividade muito maiores do que as da indústria nos últimos anos. E, na verdade, o agronegócio acaba ajudando a indústria por ter também um elevado componente industrial e tecnológico na sua produção”, afirma. Não fosse o crescente dinamismo das commodities, “a indústria estaria numa situação muito pior”, acrescenta Vale.

Em 2019, os investimentos para a a extração de petróleo e gás natural praticamente dobraram, aumentando de US$ 5,2 bilhões para US$ 9,9 bilhões. Entre os serviços – cuja fatia no IDP por participação no capital passou de 46% na média de 2008 a 2014 para 53% no ano passado -, os recursos aumentaram mais para o setor de eletricidade, gás e outros itens de utilidade pública, de US$ 2,5 bilhões para cerca de US$ 5 bilhões. Segundo especialistas, em ambos os casos os aportes estrangeiros podem estar relacionados a processos de venda de ativos, privatizações e leilões.

Cagnin observa também que o setor de serviços ainda é naturalmente mais protegido da concorrência internacional do que outras categorias, o que, segundo ele, torna mais fácil para empresários repassarem no preço final problemas estruturais da economia brasileira, como tributação elevada e infraestrutura ineficiente. “Com isso, as margens de lucro ficam mais estáveis ao longo do tempo, o que gera maior atratividade desses ramos para o capital internacional.”

Para 2020, o cenário de investimentos externos na indústria é misto. A expectativa é que a produção volte ao azul, com sustentação maior do mercado doméstico. Uma recuperação mais consistente da indústria significa, entre outras coisas, ganho de ocupação na capacidade instalada, além de investimentos em atualização tecnológica. “Há fatores favoráveis para recomposição do investimento estrangeiro na indústria se essas hipóteses forem efetivadas”, diz Cagnin.

Turbulências no cenário exterior, com um acordo ainda temporário entre Estados Unidos e China e eleição americana no calendário, já estavam contabilizadas nas projeções, mas os efeitos do coronavírus na economia mundial podem gerar uma deterioração adicional. “Tem piora no cenário mundial, mas a Argentina deve se recuperar um pouco, então poderíamos ficar em um meio termo”, avalia Magacho.