Oscilações nos rendimentos são esperadas e investidor não deve retirar aplicações, dizem analistas

Anaïs Fernandes – Folha de São Paulo

25.jun.2018 às 2h00

Investidores se assustaram ao abrir seus últimos extratos de fundos de renda fixa e se depararem com rentabilidades até negativas.

O retorno de fundos com prazo maior e grau de investimento (menos arriscados), por exemplo, foi de 1,42% em janeiro para -0,13% em maio, dado mais recente consolidado pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) —já descontado o IR no caso de rentabilidade positiva.

Em meio à maior percepção de risco no país, com incertezas no cenário político e econômico nacional e instabilidades geopolíticas e comerciais no exterior, o mercado passou a esperar que a Selic (taxa básica de juros) suba antes do esperado.

Na duas últimas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária), em maio e junho, ela foi mantida em 6,5% ao ano.

Em 15 de maio, um dia antes de o Banco Central interromper o ciclo de cortes na Selic, os juros com vencimento em janeiro de 2021 estavam em 8,47%. Nesta sexta-feira (22), fecharam a 9,74%.

“Fundos que têm rentabilidade atrelada a CDI [Certificado de Depósito Interfinanceiro] ou Selic, na prática, mantêm a trajetória com pouca variação mesmo em um cenário de maior volatilidade. O impacto maior é observado em fundos com ativos atrelados a inflação e juros na sua composição, como títulos NTN-B [Tesouro IPCA+ com juros semestrais]”, diz Carlos André, vice-presidente Anbima.

Carteiras que investem em títulos prefixados (rentabilidade definida no momento da aplicação) podem registrar perdas se os juros futuros sobem. E, assim como no Tesouro Direto, os fundos são marcados a mercado, ou seja, o preço registrado no extrato que o investidor consulta reflete o valor do ativo naquele momento se ele fosse vendido.

Em um título comprado a taxa de 9,63%, por exemplo, se os juros subirem para 11%, o papel passa a valer menos, porque 11% é a nova taxa que o investidor espera do ativo. Quem comprou o título a 9,63% e quiser vender vai ter de fazer por um preço menor, para que a taxa chegue aos 11% estimados.

“É como fazer compra no shopping, quanto maior o desconto, menor o preço da mercadoria”, explica Marcia Dessen, diretora da Planejar (associação de planejadores financeiros) e colunista da Folha.

Além dos juros, influencia também no preço do papel o prazo de vencimento do título. Quanto mais longo ele for, maior será o impacto no valor, porque maior também é a incerteza sobre o desempenho daquele ativo no futuro.

Fundos funcionam como um “condomínio”, reunindo recursos aplicados por diferentes investidores (cotistas). Fundos de renda fixa são tidos como mais conservadores do que outros porque são obrigados a investir pelo menos 80% em títulos públicos, prefixados ou pós-fixados (atrelados à inflação ou à Selic).

Por isso, a queda na rentabilidade assusta os cotistas.

Especialistas ressaltam, no entanto, que, em geral, fundos que registraram queda acentuada em maio e junho tiveram bons desempenhos nos meses anteriores e que oscilações de preços são esperadas.

“Todos os dias o mercado refaz suas projeções”, afirma André, da Anbima.

“Incomoda ver a cota do fundo cair, receber o extrato e perceber que perdeu, mas esse risco é natural. Se não estiver disposto a correr, melhor nem entrar”, afirma Dessen, acrescentando que o investidor precisa ter em mente um horizonte de longo prazo.

Eduardo Levy, diretor e gestor da Rio Bravo Investimentos, tem a avaliação de que as taxas de juros subiram muito em pouco tempo e que há espaço para caírem.

“Se o Banco Central confirmar que não vai usar política monetária para conter o câmbio, existe espaço para as taxas de juros voltarem a ceder, o que seria benéfico para os fundos de renda fixa”, afirma.

Nesse cenário, diz Levy, o investidor deveria manter sua aplicação no fundo. “Mas não podemos esquecer que estamos em ano de eleições, e essas incertezas vão continuar gerando alguma volatilidade.”

Estar preparado, reforça André, ajuda o investidor a evitar decisões precipitadas, como, num susto, resgatar o recurso mesmo sem precisar. “Quando o investidor faz esse resgate, ele cristaliza uma perda que poderia ser recuperada no médio e longo prazo. É importante ter calma”, afirma.

AQUISIÇÕES DE COTAS EXIGEM ANÁLISE DA RENTABILIDADE

Antes de se tornar cotista em um fundo, é necessário conhecer a política de aplicações da carteira e analisar sua rentabilidade pelo menos nos últimos três anos, se o fundo tiver esse histórico.

“O investidor tem de pedir para ver a lâmina do fundo. Todo fundo tem um documento com um parágrafo que especifica qual é a sua política de investimento”, diz Dessen.

Especialistas ressaltam ainda que é preciso saber qual é a taxa de administração cobrada pela gestão da carteira —com o desconto do IR, ela reduz o ganho.

“A taxa é paga exatamente para que alguém fique olhando os movimentos de mercado”, diz Juliana Inhasz, professora de finanças do Insper.

“Dentro das possibilidades, tente negociar a taxas. Considere que, com investimentos iniciais baixos, as taxas tendem a ser mais altas”, afirma.

Apostar todos os recursos em um único tipo de fundo também não é recomendado.

“A reserva financeira poderia ser colocada num fundo de renda fixa referenciado DI, de baixíssimo risco, em que o gestor só pode aplicar em taxas pós-fixadas que acompanham a Selic. Outros 20% poderiam ir para um fundo ativo e, aceitando oscilações no curto prazo, 30% num fundo atrelado a índices de inflação”, diz Dessen.