Por Kleber Luiz Zanchim

A República Federativa do Brasil é um dos maiores empresários do mundo. Considerando União, Estados e municípios, controla mais de 400 empresas, com mais de 800 mil empregados. Essa máquina gigantesca deveria atender imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme artigo 173 da Constituição Federal. Infraestrutura se enquadraria em tais propósitos. Mas faz sentido que empresas detidas pelo Estado atuem diretamente nesse segmento? As lições internacionais e o contexto local sugerem que não.

No ano 2000, o Reino Unido criou a Partnerships UK. Não era uma estatal no conceito brasileiro porque o Estado detinha apenas 49% do capital da companhia, enquanto 51% eram da iniciativa privada. Porém, o Poder Público dava as diretrizes de atuação da empresa, cuja função era fomentar a infraestrutura por meio de parcerias estratégicas com o setor privado. Onze anos depois, a Partnerships UK foi extinta em razão da criação do Infrastructure UK, órgão do Ministério da Fazenda vocacionado a trabalhar ao lado da iniciativa privada.

Uma empresa orientada pelo Estado conduzindo a infraestrutura nacional pareceu aos ingleses menos eficiente do que o esperado, ainda que sua gestão fosse privada. A empresa, por si só, trazia desafios de administração e alinhamento de interesses, adicionando complexidade aos já complicados projetos de construção. Em vez de promotoras de grandes projetos, as estatais poderiam tornar-se indutoras do mercado.

Essa reflexão cabe no Brasil, especialmente à luz da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, conhecida como Lei das Estatais, que deixou claro não terem as empresas controladas pelo Estado qualquer vantagem em relação às empresas privadas. Sejam prestadoras de serviço público, sejam exploradoras de atividade econômica, as estatais têm seus contratos sujeitos ao regime de direito privado e, quando criadas para atender o interesse coletivo, devem buscar o bem-estar econômico e a alocação eficiente de seus recursos.

Ou seja, essas empresas, se um dia foram uma extensão do Estado, exercendo funções públicas de seu controlador, hoje não passam de entes apenados com a burocracia dos processos de licitação e de controle externo aplicáveis à administração indireta. Em diversos setores como saneamento básico, energia, transporte e atendimento hospitalar, tais empresas operam com déficits severos, sendo inviáveis do ponto de vista econômico-financeiro. Consomem recursos com custeio e, sem capacidade de investir, deixam o cidadão desassistido.

Mesmo em países onde a situação das empresas controladas pelo Estado ainda não é tão precária como a brasileira, caso da Indonésia, seu papel na infraestrutura vem sendo questionado. A uma porque, por razões políticas, podem ser geridas sem disciplina empresarial a assegurar sua sustentabilidade no médio prazo, o que tende a gerar passivos extraordinários. A duas porque afastam a iniciativa privada dos projetos, impedindo o desenvolvimento do mercado. Quanto a esse segundo ponto, há fenômeno semelhante no saneamento básico brasileiro por conta da questionável dispensa de licitação aplicada às estatais, que não precisam vencer processo competitivo para firmarem contratos com municípios. O setor privado fica, então, estrangulado.
Assim, falta justificativa para utilização de estatais na infraestrutura. É preciso um novo arranjo para que algumas delas façam sentido.

Em vez de promotoras de grandes projetos, as empresas controladas pelo Estado poderiam tornar-se indutoras do mercado, ocupando espaços onde a administração direta é particularmente deficiente, como o campo da segurança jurídica. Função importante para algumas delas seria a cobertura de componentes do chamado “risco Brasil”, como decisões judiciais que fragilizam licitações e contratos e decisões administrativas que comprometem o projeto (exigências ambientais e regulatórias não sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro, por exemplo).

As estatais podem cobrir o “risco Brasil” de forma indireta. Em vez de figurarem como garantidoras nos contratos de infraestrutura, ofereceriam contragarantias a seguros a serem ofertados pelas seguradoras privadas. Com isso, criam-se condições para novos produtos securitários associados a grandes projetos e aumenta-se a capacidade de alavancagem das estatais como contragarantidoras de vários empreendimentos ao mesmo tempo.

Se recursos oriundos da privatização ou, até mesmo, da extinção de grande parte das centenas de estatais forem alocados a algumas poucas remanescentes que se dediquem a amortecer o “risco Brasil”, a infraestrutura brasileira certamente terá uma “rodovia” para se desenvolver e poderá, em breve, voar “em céu de brigadeiro”.

Kleber Luiz Zanchim é doutor pela Faculdade de Direito da USP, professor do Insper e sócio de SABZ Advogados